Saiba o que é Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero na Justiça do Trabalho

19 de fevereiro de 2024

Por Karina Frishlander

Em 2021, o Conselho Nacional de Justiça elaborou o chamado Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Nos termos do prefácio de referido instrumento, constou que, além de considerações teóricas sobre a questão da igualdade, o estudo deveria servir como um guia  “para que os julgamentos que ocorrem nos diversos âmbitos da Justiça possam ser aqueles que realizem o direito à igualdade e à não discriminação de todas as  pessoas, de modo que o exercício da função jurisdicional se dê de forma a concretizar um papel de não repetição de estereótipos, de não perpetuação de diferenças, constituindo-se um espaço de rompimento com culturas de discriminação e de preconceitos.”[1]

O resultado do estudo, gerou um documento com diversos conceitos e orientações para efetividade de ações no âmbito Judiciário a fim de evitar uma gama de discriminações.

Considerando ser um manuscrito que envolve diversas áreas do Judiciário, o presente artigo pretende se ater, especificamente, às questões concernentes à Justiça do Trabalho, sem, obviamente, esgotar o tema.  

O Capítulo 4 do Protocolo, foi dedicado à Justiça do Trabalho e, desde o início, já aponta a assimetria inerente ao direito do trabalho, decorrente da desigualdade entre o capital e a força de trabalho para justificar a necessidade de interpretar as normas laborais, sob a perspectiva de gênero, evitando-se a manutenção do desnível existente.

Já é de conhecimento público e notório, a distinção entre homens e mulheres no ambiente de trabalho, especialmente quanto à promoção a cargos de elevada hierarquia e ao salário recebido. Tanto é, que a discriminação salarial, é tratada na Lei 14.611/2023 que, dentre outras questões, exige a transparência e a igualdade salarial entre homens e mulheres, sob pena de aplicação de diversas sanções.

O próprio Protocolo aqui tratado, também abrange a questão da desigualdade de oportunidades no ingresso e progressão na carreira das mulheres, afirmando que “estereótipos machistas que ainda enxergam as mulheres como frágeis para assumir funções de liderança, cargos de chefia, ou até mesmo a questão da maternidade como argumento de interrupção profissional, são questões que limitam a ascensão das mulheres, com base em papéis sociais assumidos ou delegados a elas, que invisibilizam as suas habilidades e competências[2] 

Some-se ainda, a precarização dos postos de trabalho, sendo relegados, principalmente, às mulheres, as atividades de limpeza, telemarketing, serviços domésticos etc.

Diante dos fatores que influenciam as oportunidades que são oferecidas no mercado de trabalho para as mulheres, ainda se pode constatar discriminação em todas as etapas da relação contratual, desde a fase de seleção até a dispensa.

Não menos importante, é observar a ocorrência de inúmeros casos de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho. Há de ser destacado que, a violência de gênero, abrange diversas circunstâncias, tais como questões relacionadas ao sexo, gênero, à orientação sexual e identidade de gênero, abarcando questões como: homossexualidade, intersexualidade, transexualidade e travestilidade.

Pensando sob o aspecto da discriminação, o protocolo orienta que magistrados, na condução e julgamento das demandas trabalhistas, realizem questionamentos para análise de condutas que podem indicar a ocorrência de atos discriminatórios. Alguns exemplos:

1. A trabalhadora ou o trabalhador se insere em algum grupo vulnerável ou historicamente discriminado?

2. A conduta questionada, se praticada em relação aos grupos majoritários, produziria a mesma consequência?

3. A prática adotada habitualmente pelo empregador ou pela empregadora leva a resultados discriminatórios ainda que não tenha havido intenção de discriminar?

4. A prática da empregadora ou do empregador está relacionada ao trabalho e se coaduna ao negócio?

6. Na produção e na interpretação da norma aplicável e na avaliação de fatos e evidências, estão presentes preconceitos, costumes ou práticas baseadas na inferioridade ou na superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher?

7. O ambiente de trabalho tem prevalência de algum grupo social, por exemplo, em termos de gênero, raça, etnia ou religião, que possa ser hostil a determinado perfil de pessoa considerada dissonante?

8. Nas alegações ou nas perguntas formuladas na instrução processual, há algum tipo de julgamento moral sobre a pessoa vítima de violência de gênero?

9. As alegações nas petições ou as perguntas na instrução processual são impertinentes ou constrangedoras, deslocando a responsabilidade do agente agressor para a vítima?

10. Na interpretação dos fatos, foi considerado também o ponto de vista da vítima?

11. As características pessoais da parte reclamante são consideradas para a avaliação ergonômica do posto de trabalho?

De se notar que, casos envolvendo gestantes e lactantes, que não raramente, sofrem discriminações, inclusive com a dispensa após o retorno da licença-maternidade e até questões ergonômicas, foram trazidas ao protocolo e inseridas como possível caso de discriminação em razão do gênero.

Nesse contexto, é de suma importância que as empresas/empregadores, estejam sempre atentas para evitar qualquer discriminação no ambiente de trabalho e que a fiscalização seja constante, além de realizarem ações para esclarecer e formar os colaboradores para que não pratiquem atos que possam ter conotação discriminatória. Também devem agir, de forma rápida e eficaz, quando constatarem ofensas, segregações e outras atitudes e desconformidade as regras da igualdade entre homens e mulheres.

Podemos concluir que o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, busca trazer ao Judiciário a questão da discriminação, a fim de evitar que as decisões não perpetuem desigualdades advindas da relação de trabalho

De outro lado, imputou às empresas a carga probatória da não ocorrência de discriminação, não somente em todas as fases do contrato de trabalho[3], mas também na demanda trabalhista porventura apresentada perante o Judiciário.

Importante dizer que cada vez mais Juízes Trabalhistas têm determinado que as ações tramitem sob as bases do Protocolo, sendo uma tendência o aumento expressivo de casos analisados sob esse aspecto.

Por fim, cabe dizer que o magistrado deve agir com cautela para determinar que a ação seguirá o Protocolo e será julgada sob a perspectiva de gênero, devendo avaliar se há assimetrias de gênero nas questões abordadas no processo, sob pena, inclusive, de vulgarizar tão importante progresso trazido pelo Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.


[1] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-18-10-2021-final.pdf

[2] Trecho reproduzido de: FERRITO, Barbara. Direito e desigualdade: uma análise da discriminação das mulheres no mercado de trabalho a partir dos usos dos tempos. São Paulo: LTr, 2021.

[3] A Súmula 443 do TST já trata a questão da dispensa discriminatória, porém o protocolo foi mais abrangente e abarcou todo o contrato e o processo judicial.

Súmula 443. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.