Por Thiago Vieira de Almeida Prado, Cristiane Dini, Hévila Pereira Alvarenga e Carolina Monqueiro Couto
O usufruto é um direito real sobre coisa alheia que confere ao seu titular, na qualidade de usufrutuário, a capacidade de gozar das utilidades e se beneficiar dos frutos e rendimentos, bem como o direito à posse e administração daquele bem, sem alterar suas características.
Ao proprietário e titular do bem, na qualidade de nu-proprietário, quando instituído o usufruto, é atribuído o direito de dispor e recebê-lo após a extinção.
Esse direito é regulado pelos art. 1.390 e seguintes do Código Civil (“CC”), podendo recair sobre bens imóveis e móveis, como ações, podendo ser de forma vitalícia ou por tempo determinado, atualmente sendo utilizado estrategicamente em planejamentos patrimoniais e sucessórios no âmbito empresarial.
O usufruto de ações, regulado pela Lei 6.404/76 (“Lei das Sociedades Anônimas” ou “LSA”), ocorre quando o acionista transfere a nua propriedade de suas ações, por determinado período ou de forma vitalícia, reservando para si o usufruto, ou seja, continua com a sua participação societária, mantendo determinados direitos, como a percepção dos dividendos e outros benefícios associados a essas ações, de acordo com o que for estabelecido entre nu-proprietário e usufrutuário.
É possível determinar se o usufruto recairá sobre todas as ações ou somente parte delas e se abarcará os direitos políticos, além dos direitos econômicos. Ao término do prazo do usufruto, quando estive não detiver natureza vitalícia, todos os direitos são unificados na pessoa do nu-proprietário.
Tema de grande relevância quando tratamos do usufruto de ações, é o exercício do direito ao voto, intrinsecamente ligado à propriedade delas. A LSA, nos arts. 40, 114, 126 e 169, §2°, regulamenta a dinâmica a ser aplicada ao direito de voto quando as ações estão gravadas com usufruto.
Nesse sentido, no ato de instituição do usufruto deve-se estabelecer a quem pertencerá o direito de votar nas assembleias gerais da companhia e, caso não o seja, o voto somente poderá ser exercido mediante acordo prévio entre nu-proprietário e usufrutuário, com as suas delimitações e matérias aplicáveis[1].
Nas assembleias gerais é necessário provar a qualidade de acionista, com a apresentação dos documentos necessários a depender do tipo da ação, se nominativa, escritural ou ao portador[2], com o consequente direito ao exercício de voto. No caso das ações gravadas com usufruto, a depender de como foi instituído o gravame, também será necessário apresentar o instrumento apartado firmado entre as partes que regulamente como ocorrerá o exercício do direito de voto atrelado a tais ações.
Nas situações em que o usufruto não estiver gravado com as especificações de quem poderá exercer o direito de voto e suas delimitações, e caso não seja formalizado acordo entre as partes nesse sentido, ainda que tácito, poderá haver conflito de interesses entre nu-proprietário e usufrutuário, à medida que o exercício do voto é instrumento altamente relevante e importante, muitas vezes definindo as estratégias e negócios da companhia. Por esse motivo, se não houver concordância entre as partes, a LSA determina que o voto não poderá ser exercido, nos termos de seu art. 114.
No entanto, existem várias situações cotidianas na companhia que podem caracterizar um acordo tácito entre usufrutuário e nu-proprietário sobre o exercício do voto e, para estes casos mais complexos, apenas uma análise casuística permitirá concluir a qual parte cabe o exercício do direito de voto ou se ele não poderá ser exercido.
Ressaltamos, ainda, a importância de que a pessoa escolhida como titular para exercício do direito de voto esteja vinculada a eventual acordo de acionistas existente, para trazer maior segurança ao nu-proprietário, ao usufrutuário e à própria companhia.
O tema é tão relevante que esbarra em outros direitos inerentes a qualidade de acionista, tais como exercício do direito de recesso, do direito de preferência, e, ainda, no requerimento de prestação de contas ao(s) administrador(es).
O exercício do direito de recesso, previsto no art. 137 da LSA, consiste no direito de o acionista dissidente de determinadas decisões tomadas em sede de assembleia geral se retirar da sociedade, mediante o reembolso do valor de ações. Observa-se, porém, que o direito de recesso advém do exercício de voto manifestado em assembleia, pelo usufrutuário ou nu-proprietário, a depender do que fora gravado ou convencionado.
No tocante ao exercício do direito de preferência para adquirir as novas ações e/ou valores mobiliários emitidos pela sociedade, ele pertence ao nu-proprietário e, caso não seja exercido em 10 (dez) dias, o usufrutuário poderá exercê-lo[3].
Ainda, dentre os direitos inerentes à qualidade de sócio, conforme art. 109 da LSA, há a fiscalização e prestação de contas, cujo nu-proprietário é legitimado para requerer a prestação[4].
Em suma, as implicações do usufruto em relação ao exercício do direito de voto podem variar a depender do que for previsto no ato instituidor do gravame, do acordo entre as partes ou até mesmo das práticas corriqueiras adotadas pelo usufrutuário e nu-proprietário nas assembleias gerais e/ou no dia a dia da companhia.
Dessa forma, para evitar conflitos, é imprescindível que a definição de quem exercerá o direito ao voto, a delimitação e especificações dos demais direitos atribuídos ao usufrutuário e nu-proprietário estejam claros no momento da instituição do usufruto, a fim de resguardar a dinâmica da empresa e eventuais interesses oriundos do planejamento patrimonial e sucessório no âmbito privado.
[1] LSA. Art. 114. O direito de voto da ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato de constituição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário.
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, TJ-MG: 100240582792580011, MG1.0024.05.827925-8/001(1), “Ocorre que os doadores reservaram para si o usufruto vitalício e sucessivo da totalidade das ações, havendo sido estabelecidas diversas condições, dentre elas, que caberia “aos doadores o exercício do direito de voto inerentes ações gravadas com o usufruto, assim como o de perceber dividendos e bonificações que às mesmas forem atribuídos” (f. 41).”.
[2] LSA. Art. 126. As pessoas presentes à assembléia deverão provar a sua qualidade de acionista, observadas as seguintes normas:
I – os titulares de ações nominativas exibirão, se exigido, documento hábil de sua identidade;
II – os titulares de ações escriturais ou em custódia nos termos do art. 41, além do documento de identidade, exibirão, ou depositarão na companhia, se o estatuto o exigir, comprovante expedido pela instituição financeira depositária.(Redação dada pela Lei nº 9.457, de 1997)
III – os titulares de ações ao portador exibirão os respectivos certificados, ou documento de depósito nos termos do número II;
IV – os titulares de ações escriturais ou em custódia nos termos do artigo 41, além do documento de identidade, exibirão, ou depositarão na companhia, se o estatuto o exigir, comprovante expedido pela instituição financeira depositária.
LSA. Art. 40. O usufruto, o fideicomisso, a alienação fiduciária em garantia e quaisquer cláusulas ou ônus que gravarem a ação deverão ser averbados:
I – se nominativa, no livro de “Registro de Ações Nominativas”;
II – se escritural, nos livros da instituição financeira, que os anotará no extrato da conta de depósito fornecida ao acionista. (Redação dada pela Lei nº 9.457, de 1997)
[3] Art. 171. Na proporção do número de ações que possuírem, os acionistas terão preferência para a subscrição do aumento de capital. (Vide Lei nº 12.838, de 2013)
§ 5º No usufruto e no fideicomisso, o direito de preferência, quando não exercido pelo acionista até 10 (dez) dias antes do vencimento do prazo, poderá sê-lo pelo usufrutuário ou fideicomissário.
[4] Órgão 1ª Turma Cível, Processo N. Apelação Cível 20120111398395APC, Acórdão Nº 704.957, “4. Conforme documentação anexa aos autos, apesar da doação com reserva de usufruto vitalício, a apelada é sócia quotista, condição reconhecida pela apelante, e nessa situação é resguardado a ela o direito de fiscalização da administração da sociedade, ou seja, ela é parte legítima para requerer a prestação de contas; 5. Não obstante o usufruto vitalício, o nu-proprietário permanece acionista, e sofre os efeitos das decisões tomadas nas assembleias em que o direito de voto é exercido (STJ, Resp. 1169202/SP).”.