Saiba mais sobre a retirada imotivada de sócios em Limitadas e interpretações do STJ e DREI

19 de março de 2024

Por Thiago Vieira de Almeida Prado, Luisa Carolina Aki Toyoshima e Hévila Pereira Alvarenga

A possibilidade de retirada imotivada de sócio de sociedade limitada com prazo indeterminado sempre foi tema de grande importância no ambiente jurídico societário. Em 09 de março de 2021, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no julgamento do REsp 183.9078[1], assim como o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (“DREI”), por meio de sua Instrução Normativa n. 88, de 23 de dezembro de 2022 (“IN n. 88/2022”), abordaram o assunto sob perspectivas distintas que merecem análise, conforme abaixo.

De início, é importante esclarecer que a retirada imotivada de sócio pressupõe o seu desejo de deixar a sociedade, sendo, portanto, um ato voluntário. Além disso, é dispensada, como o próprio termo indica, a apresentação de qualquer tipo de motivação ou de justa causa, sendo suficiente a intenção ou o desejo do sócio em não mais compor o quadro societário da empresa.

Nas sociedades simples, tal retirada é disciplinada expressamente pelo art. 1.029[2] do Código Civil, o qual prevê que, em se tratando de sociedade por prazo indeterminado, o sócio retirante deverá comunicar sobre sua intenção aos demais, com antecedência de 60 (sessenta) dias, mediante envio de notificação extrajudicial.

No caso das sociedades limitadas, a discussão gira em torno da aplicação ou não do art. 1.029 do Código Civil, considerando que muitas delas optam por adotar, de forma supletiva, a regência pela Lei das Sociedades Anônimas (“LSA”), a qual não possui dispositivo equivalente[3].

Especialmente nos casos em que há regência supletiva da LSA, há quem compreenda que a retirada imotivada de sócio não é possível, sendo as únicas hipóteses permitidas aquelas discriminadas no art. 1.077[4] do Código Civil: em caso de dissidência quanto à modificação do Contrato Social, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra. São, portanto, hipóteses de retirada voluntária, mas motivada, uma vez que o sócio retirante precisa discordar da decisão tomada pela maioria dos sócios.

Conforme adiantado, a Terceira Turma do STJ abordou o assunto e entendeu que é possível a retirada imotivada de sócio em sociedade limitada, sendo aplicável o procedimento descrito no art. 1.029 do Código Civil, ainda que a sociedade em questão opte, mediante previsão expressa em Contrato Social, pela regência supletiva da LSA. O Tribunal da Cidadania entendeu que não se pode concluir que esta conduta seja vedada por não haver dispositivo legal, na LSA, que permita ou autorize a saída de sócio nesse contexto. É, portanto, desnecessário o ajuizamento de ação de dissolução parcial, podendo ser realizada de forma extrajudicial.

Ainda de acordo com o STJ, a retirada imotivada do sócio da sociedade é um direito potestativo, que decorre do direito fundamental da liberdade de não permanecer associado, garantido pelo art. 5º, XX, da Constituição Federal[5].

A IN n. 88/2022 igualmente autoriza a retirada de sócio de sociedade com prazo indeterminado mediante a notificação aos demais, observado o prazo de 60 (sessenta) dias. Permite-se, inclusive, o pedido de arquivamento deste documento quando comprovado seu recebimento pelos demais sócios. No entanto, a instrução normativa inovou ao permitir que o Contrato Social preveja a possibilidade de os sócios renunciarem ao direito de retirada imotivada[6].

Assim, ao mesmo tempo em que não restam dúvidas da aplicação do art. 1.029 do Código Civil às sociedades limitadas, ainda que regidas supletivamente pela LSA, vislumbra-se um potencial conflito de entendimento entre o STJ e o DREI quanto a possibilidade de os sócios renunciarem expressamente ao direito de retirada imotivada.

Pode-se pontuar, para exemplificar, uma situação em que a renúncia de tal direito ocorra quando da constituição da sociedade limitada, momento no qual normalmente os ânimos para o exercício da atividade empresarial estão no auge. Passados alguns anos, caso um dos sócios deseje se retirar, não poderá mais fazê-lo de forma imotivada. Abrir-se-ia, nesse caso, uma discussão intensa sobre como se dará sua retirada: de forma judicial? Nesse caso, será necessário apresentar motivo? Caso a resposta para tais perguntas seja positiva, diante da inexistência de motivo a ser comprovado, é possível que o sócio retirante fique “preso” à sociedade por tempo indeterminado, em clara violação ao direito fundamental garantido pelo art. 5º, XX da CF.

Por sua vez, a inclusão, pelo DREI, da possibilidade de renúncia ao direito de retirada imotivada parece privilegiar a liberdade das partes em contratar. Em um primeiro momento, a inovação seria defensável considerando que – a depender do percentual das quotas detido pelo sócio retirante e da sociedade em questão – a saída imotivada poderia ter impactos negativos na empresa, tal como sua descapitalização. Assim, a possibilidade da renúncia à tal direito seria uma forma mitigar este risco, protegendo, portanto, o exercício da atividade empresarial do arbítrio dos sócios.

Ao buscar a motivação dos sócios de renunciarem ao direito de retirada imotivada no próprio Contrato Social, verifica-se que a intenção por trás do dispositivo é a proteção da atividade empresária em eventual descapitalização abrupta. Esse objetivo pode ser alcançado sem a necessidade de renúncia ao direito de retirada imotivada ao prever, no Contrato Social, formas mais benéficas à sociedade na apuração e pagamento de haveres em caso de retirada imotivada, a fim de desestimular o sócio de exercer essa faculdade.

Assim, o Contrato Social pode prever, por exemplo, um prazo mais extenso para a sociedade efetuar o pagamento dos haveres do sócio retirante, como 60 (sessenta) meses ou mais ou ainda, que a apuração do valor das quotas do sócio retirante será aferido pelo valor patrimonial das quotas, conforme último balanço levantado.

Diante do acima, verifica-se a existência de outras formas de proteger a continuidade da atividade empresária, que não leva à renúncia de um direito fundamental pelos seus sócios, qual seja, a previsão de formas mais benéficas à sociedade para a apuração e pagamento de haveres em caso de retirada imotivada. Para isso, é importante contar com a assessoria de advogados especializados quando da constituição da sociedade, ou até mesmo para promover a alteração do contrato social.


[1] RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. DIREITO SOCIETÁRIO. SOCIEDADE LIMITADA. APLICAÇÃO SUPLETIVA DAS NORMAS RELATIVAS A SOCIEDADES ANÔNIMAS. ART. 1.053 DO CC. POSSIBILIDADE DE RETIRADA VOLUNTÁRIA IMOTIVADA. APLICAÇÃO DO ART. 1.029 DO CC. LIBERDADE DE NÃO PERMANECER ASSOCIADO GARANTIDA CONSTITUCIONALMENTE. ART. 5º, XX, DA CF. OMISSÃO RELATIVA À RETIRADA IMOTIVADA NA LEI N. 6.404/76. OMISSÃO INCOMPATÍVEL COM A NATUREZA DAS SOCIEDADES LIMITADAS. APLICAÇÃO DO ART. 1.089 DO CC. 1. Entendimento firmado por este Superior Tribunal no sentido de ser a regra do art. 1.029 do CC aplicável às sociedades limitadas, possibilitando a retirada imotivada do sócio e mostrando-se descipicendo, para tanto, o ajuizamento de ação de dissolução parcial. 2. Direito de retirada imotivada que, por decorrer da liberdade constitucional de não permanecer associado, garantida pelo inciso XX do art. 5º da CF, deve ser observado ainda que a sociedade limitada tenha regência supletiva da Lei n. 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas). 3. A ausência de previsão na Lei n. 6.404/76 acerca da retirada imotivada não implica sua proibição nas sociedades limitadas regidas supletivamente pelas normas relativas às sociedades anônimas, especialmente quando o art. 1.089 do CC determina a aplicação supletiva do próprio Código Civil nas hipóteses de omissão daquele diploma. 4. Caso concreto em que, ainda que o contrato social tenha optado pela regência supletiva da Lei n. 6.404/76, há direito potestativo de retirada imotivada do sócio na sociedade limitada em questão. 5. Tendo sido devidamente exercido tal direito, conforme reconhecido na origem, não mais se mostra possível a convocação de reunião com a finalidade de deliberar sobre exclusão do sócio que já se retirou. 6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp n. 1.839.078/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 9/3/2021, DJe de 26/3/2021.)

[2] Art. 1.029, Código Civil. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.

[3] Art. 1.053, Código Civil. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.

[4] Art. 1.077, Código Civil. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

[5] Art. 5º, XX, Constituição Federal. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

[6] Instrução Normativa DREI/ME n. 88/2022: 4.4.3. Retirada nos casos de prazo determinado ou indeterminado: Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode se retirar da sociedade: I – se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias. Passado ou não o prazo, poderá o sócio requerer o arquivamento da notificação de retirada desde que comprove, por qualquer meio, a ciência ou mera entrega da notificação aos demais sócios. Nesta hipótese, o marco temporal para início da contagem do prazo será a data em que o último dos sócios tiver recebido a notificação. II – se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa. É lícita a estipulação em contrato social que os sócios não poderão exercer o direito de retirada imotivada.