O conceito de sócio controlador ante a lei nº 14.451/22 e seus impactos societários

10 de novembro de 2022

Por Luisa Carolina Aki Toyoshima, Hévila Pereira Alvarenga e Thiago Vieira de Almeida Prado

A recém-publicada Lei nº 14.451/22[1] trouxe mudanças que impactam diretamente no exercício do poder de controle nas sociedades limitadas, na medida em que reduziu o quórum de deliberação de algumas matérias, elencadas no artigo 1.071 do Código Civil, aplicável às sociedades limitadas. A alteração legislativa almeja desburocratizar o processo decisório neste tipo de sociedade, conferindo-lhes maior agilidade em sua governança, contudo, seus efeitos interferem diretamente na organização societária dessas empresas.

Com a alteração legislativa, foram reduzidos os quóruns mínimos necessários para a modificação do contrato social, incorporação, fusão e dissolução da sociedade e para a cessação do estado de liquidação, que passou a ser mais da metade do capital social (na prática, qualquer porcentagem acima de 50%). Anteriormente, o quórum fixado para a deliberação de tais matérias era de 75% (setenta e cinco por cento) do capital social.

Ainda, devido à alteração legislativa, para a designação de administrador não sócio em sociedades cujo capital não está totalmente integralizado, serão necessários 2/3 (dois terços) do capital social. Antes, exigia-se a unanimidade dos sócios. Na hipótese de o capital social já estar totalmente integralizado, era necessário o quórum de 2/3 (dois terços). Com a nova lei, basta a aprovação dos sócios cujas quotas correspondem a mais da metade do capital social.

A Lei nº 14.451/22 possui vacatio legis (período de vacância) de 30 (trinta dias) dias, assim, somente será aplicável a partir do dia 21 de outubro de 2022. Para os atos aperfeiçoados anteriormente à data mencionada, a presente norma não se aplicará, uma vez que são considerados atos jurídicos perfeitos, nos termos do art. 6º, caput e parágrafo 1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB)[2] e art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal[3].

Ainda, necessário ressaltar que a norma se aplicará automaticamente às sociedades limitadas cujos documentos societários fazem menção genérica aos quóruns fixados pelo Código Civil ou que são omissos nesse sentido. Já para as sociedades cujos documentos fazem menção a quóruns qualificados, definidos pelos seus sócios, manter-se-á a regra estabelecida nos documentos societários (contrato social e acordo de quotistas) . Conclui-se, assim, que é possível que a sociedade evite sua sujeição à norma, mediante a fixação de quóruns específicos/qualificados mediante alteração contratual.

Na prática, a norma possui grande impacto no funcionamento das sociedades limitadas, pois ela modifica significativamente a estrutura de distribuição do poder de controle entre os sócios. Em que pese os procedimentos de indicação de administradores, de aprovação de estratégias e de alterações contratuais tenham sidos simplificados, em muitos casos, a mudança poderá conferir poder de controle a sócio(s) que antes não o detinha(m).

Pode-se mencionar como exemplo prático uma sociedade limitada, que faz menção genérica aos quóruns do Código Civil, em que um dos sócios possui 55% (cinquenta e cinco por cento) do capital social, e os outros dois sócios possuem 25% (vinte e cinco por cento) e 20% (vinte por cento) do capital social, respectivamente.

Neste cenário, antes da alteração legislativa, a aprovação de uma alteração no contrato social, por exemplo, exigiria, no mínimo, o consenso entre dois sócios, sendo o sócio majoritário e um dos minoritários. A partir da alteração legislativa, o sócio majoritário terá o poder decisório.

A alteração ainda repercute nos interesses dos sócios minoritários. Era comum que sócios que tinham, em conjunto ou isoladamente, ao menos 26% (vinte e seis por cento) do capital social possuíssem poder de veto sobre as matérias cujo quórum de aprovação era de 75% (setenta e cinco por cento). Com a Lei nº 14.451/22, este poder foi suprimido, de modo que é possível prever o surgimento de questionamentos sobre o assunto.

Em que pese o sócio minoritário não possa atribuir seu interesse em se tornar sócio de determinada sociedade à fixação do quórum antigo e não possa exigir a manutenção do quórum antigo, a não conciliação de seus interesses com o novo regimento da sociedade poderá acarretar em eventual dissolução parcial. Como se sabe, rupturas como essas implicam em instabilidade para a continuidade de atividade social.

Diante dessa nova realidade societária, verifica-se a importância de que os contratos sociais e acordos de quotistas das sociedades limitadas sejam (re)analisados sob a luz da nova norma e que os sócios deliberem sobre a manutenção ou não do quórum legal.

Os reais impactos da Lei nº 14.451/22 devem ser levados em consideração no âmbito de cada uma das sociedades limitadas, na medida em que as suas composições são as mais variadas e cada uma possui seu próprio processo decisório. Assim, ajustes aos documentos societários podem ser realizados para que se confira maior proteção aos interesses sociais e dos sócios, buscando sempre a harmonia entre os sócios e o equilíbrio do poder de controle.


[1] Lei nº 14.451/22. Art. 1º Esta Lei altera os quóruns de deliberação dos sócios da sociedade limitada previstos nos arts. 1.061 e 1.076 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

Art. 2º Os arts. 1.061 e 1.076 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1.061. A designação de administradores não sócios dependerá da aprovação de, no mínimo, 2/3 (dois terços) dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e da aprovação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social, após a integralização.” (NR)

“Art. 1.076.

I – (revogado);

II – pelos votos correspondentes a mais da metade do capital social, nos casos previstos nos incisos II, III, IV, V, VI e VIII do caput do art. 1.071 deste Código;” (NR)

Art. 3º Revoga-se o inciso I do caput do art. 1.076 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

Art. 4º Esta Lei entra em vigor após decorridos 30 (trinta) dias de sua publicação oficial.

[2] Decreto-Lei nº 4.657/42. Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

[3] Constituição Federal. Art. 5º, XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.