por Mayara Santos de Mattos e Andréia Santos Gonçalves da Silva
A princípio, o Direito à Saúde se encontra disciplinado no art. 6º da Constituição Federal do Brasil como um direito social, conferindo assim uma definição de direito fundamental.
Isto é, o direito à saúde constitui um pressuposto de todos os demais direitos, se tornando essencial para a preservação do bem-estar físico e psíquico da população, que é o titular do direito público, subjetivo da estatura constitucional, a qual determina em seus arts. 196 a 200 que a saúde é um direito de todos, sendo dever do Estado (em sentido amplo) promover o acesso de forma universal e igualitária a todos os cidadãos, uma vez que as ações e serviços voltados para área da saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, incluindo as instituições privadas.
Diante destas considerações, cabe destacar que, é dever do Estado fornecer medicamentos e procedimentos de alto custo (também chamados de excepcionais), aos pacientes que não dispõem de recursos próprios para o tratamento.
Ou seja, estes medicamentos e tratamentos excepcionais são definidos como aqueles que atendem casos específicos, utilizados em tratamentos de doenças crônicas de caráter individual, não sendo necessariamente casos raros, porém, sua utilização atinge um número reduzido da população, razão pela qual são produzidos em menor escala, consequentemente, tendo um custo mais oneroso comparado aos demais medicamentos.
Salienta-se que, o fato de determinados medicamentos e procedimentos serem considerados excepcionais, não deixam de ser essenciais, uma vez que dentro de sua excepcionalidade, assegura à vida e o bem-estar do usuário.
Sucede que, na maioria dos casos é necessário que o cidadão provoque o poder judiciário para garantir esse direito, haja vista que os Estados impõem uma certa resistência no fornecimento de remédios e tratamentos médicos de alto custo que não estão na lista do Sistema Único de Saúde (SUS), sob o argumento de que seu fornecimento afetará o orçamento da saúde pública.
Nesta perspectiva, existem inúmeras ações semelhantes em todo o país, sendo certo que há entendimento consolidado que, a negativa de fornecimento de medicamento ou tratamento médico de alto custo, caracteriza prática abusiva, não podendo ser negado ao paciente o direito a um tratamento digno, violando o princípio da dignidade humana, conforme fixado pelo Supremo Tribunal Federal a tese de repercussão geral no RE nº 566471. Vejamos: “Dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo.” (tema nº 6 da repercussão geral).
É certo que será necessário que o paciente preencha os seguintes requisitos para que lhe seja fornecido o medicamento ou tratamento de alto custo:
Laudo médico circunstanciado;
Informação sobre a tentativa prévia de obtenção do medicamento;
Informação sobre a data da negativa escrita ou verbal;
Medidas terapêuticas adotadas antes de ser prescrito o medicamento;
Justificativa para não prescrição de outras medidas;
Existência de medicamento com princípio ativo ou capacidade terapêutica similar fornecido pelo SUS;
Riscos e consequências ao paciente caso não seja fornecido o medicamento;
Quadro clínico e peculiaridades do paciente;
Existência de registro do medicamento na ANVISA e no rol da ANS.
Diante disto, observe-se ainda que, em recente julgamento, o STF fixou a tese de repercussão geral no RE nº 855178, Tema 793, que, são solidariamente responsáveis os entes da federação (União, Estados e Municípios) em decorrência da competência comum, quando se tratar de demandas que buscam o custeio de determinado tratamento perante o SUS:
“Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro ”
(tema nº 793 da repercussão geral).
Todavia, mesmo diante da solidariedade reconhecida e estabelecida no Tema 793 do STF, se faz necessário que a ação seja proposta em face do ente responsável para custear o tratamento, e caso o mesmo não possua recursos financeiros suficientes para o cumprimento, os demais entes federados poderão figurar no polo passivo da demanda, para arcar com o ônus financeiro do tratamento, sendo certo que se a obrigação for cumprida pelo ente não responsável, este deverá ser ressarcido pelo corréu a quem competia.
Desta forma, não há dúvidas que é dever do Estado (em sentido amplo) assegurar a todos os cidadãos o direito à saúde, posto que quando ocorrer certa resistência por parte do ente público é cabível ao cidadão pleitear perante o Judiciário o seu direito, razão pela qual os entes federados terão que arcar com o custo de todo e qualquer medicamento que for indispensável para garantir à vida e o bem-estar do usuário.
Seguindo nesta mesma linha de raciocínio, cumpre observar que esta obrigação não incube tão somente ao Poder Público, sendo certo que a obrigatoriedade no fornecimento de medicamento e tratamento de alto custo se aplica também aos planos e seguros privados de assistência à saúde, e a sua negativação será considerada como prática ilegal e abusiva.
Os contratos de plano e seguros privados de assistência à saúde são regulamentados pela Lei nº 9.656/98, a qual dispõe que é dever da operadora de saúde fornecer quaisquer medicamentos ou tratamentos quando for essencial para manutenção da saúde, quando prescrito pelo médico ao seu paciente, desde que estejam devidamente registrado perante a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e inclusos no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Ademais, conforme estabelecido pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) a negativa de cobertura deve ser encaminhada por escrito ao beneficiário, devidamente fundamentada, no prazo de 24 horas, sob pena de multa, vejamos:
“Art. 10. Havendo negativa de autorização para realização do procedimento e/ou serviço solicitado por profissional de saúde devidamente habilitado, seja ele credenciado ou não, a operadora deverá informar ao beneficiário detalhadamente, em linguagem clara e adequada, o motivo da negativa de autorização do procedimento, indicando a cláusula contratual ou o dispositivo legal que a justifique.”
Imperioso destacar que na maioria dos casos as operadoras impõem uma certa resistência quando se trata de custeio de tratamento de valor elevado, sendo necessário que o paciente busque judicialmente o cumprimento desta obrigação, uma vez que será considerado a prevalência ao direito à saúde e as peculiaridades do caso concreto.
Por conseguinte, o entendimento jurisprudencial reconhece amplamente que a negativa de cobertura pelo plano e seguro de saúde é indevida, não podendo a operada de saúde limitar a cobertura do tratamento ao benificiário, haja vista que quem define o melhor tratamento ao paciente é o profissional da saúde, desde que o tratamento esteja previsto no rol da ANS, qualquer tipo de interferência, caracteriza conduta abusiva e ilegal, violando a Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor, bem como a Lei nº 9.656/98.
Portanto, conclui-se que o direito à saúde se qualifica como um direito fundamental assegurado a todos as pessoas, indissociável ao direito ao direito à vida, quando for imprescindível para manutenção da vida do paciente a utilização de medicamento ou tratamento de alto custo, é dever do Poder Público assumir a responsabilidade de disponibilizar tais recursos, uma vez que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado (sentido amplo).
Por fim, tratando-se de negativa em custear tratamento de alto custo pelos planos e seguros privados de assistência à saúde, desde que registrado na ANVISA e presente no rol da ANS, tal conduta configura prática ilegal e abusiva, principalmente quando fundamentada por negativa contratual, em detrimento a vida e bem-estar do ser humano, posto que as cláusulas firmadas entre as partes estão sujeitas aos princípios e normas estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, devendo sempre ser interpretadas de maneira mais favorável ao usuário.