Das hipóteses e procedimento de retirada e exclusão de sócio nas modalidades extrajudicial e judicial

18 de maio de 2023

Por Luísa Carolina Aki Toyoshima , Hévila Pereira Alvarenga e Thiago Vieira de Almeida Prado

O presente artigo tem como escopo esclarecer os principais aspectos da exclusão e retirada de sócio nas sociedades simples e empresárias limitadas, apresentando conceitos, requisitos e procedimentos ante os preceitos do Código Civil e da jurisprudência nacional.

Inicialmente, destaca-se que a morte de sócio, sua exclusão e o exercício de seu direito de retirada são hipóteses de dissolução parcial do vínculo societário, aplicáveis às sociedades simples e às sociedades empresárias limitadas, hipóteses estas que não se confundem. Tais hipóteses, quando efetivadas, em regra, implicam na resolução da sociedade em relação a um sócio, sem que haja a dissolução total da empresa, que permanecerá ativa.

Isto posto, passamos a análise de cada uma das hipóteses elencadas acima. Havendo a morte de sócio, realiza-se, normalmente, a liquidação de sua quota, para o posterior pagamento de eventuais herdeiros, exceto se o Contrato Social dispuser de outra forma ou, ainda, se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade ou pela substituição do falecido pelos próprios herdeiros. Em todo o caso, o sócio falecido é retirado do quadro societário.

O exercício do direito de retirada, por sua vez, está relacionado ao desejo do sócio de desfazer o vínculo societário existente, consubstanciando hipótese de retirada voluntária. Este é instituto originariamente previsto no Código Civil no capítulo atinente às sociedade simples, mas também aplicável às sociedades limitadas, ainda que estejam sob regência supletiva da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), de acordo com o Superior Tribunal de Justiça (doravante “STJ”)[1].

Como é sabido, ninguém pode ser compelido a permanecer associado, sendo este um direito fundamental constitucionalmente garantido[2]. Assim, quando a sociedade possuir prazo indeterminado, basta que o interessado em se retirar notifique os demais, observado o aviso prévio mínimo de 60 (sessenta) dias. Nos 30 (trinta) dias subsequentes à notificação, poderão os sócios remanescentes optar pela dissolução total da sociedade ou por proceder com a dissolução parcial, removendo o sócio retirante do quadro societário.

Já se a sociedade for de prazo determinado, exige-se decisão judicial para a retirada voluntária, devendo ser comprovada a existência de justa causa para o desligamento[3]. Ainda, o direito de retirada também pode ser exercido pelo sócio dissidente nas deliberações sociais que aprove a modificação do Contrato Social, a fusão ou a incorporação da sociedade[4].

Em se tratando de exclusão do sócio, ela poderá ocorrer pela via judicial ou extrajudicial, a depender do que a motivar e da previsão ou não de tal possibilidade no Contrato Social. É oportuno destacar que na exclusão do sócio, diferente do que ocorre no exercício de direito de retirada, há o desligamento involuntário do sócio do quadro societário, podendo ser considerado como uma penalidade.

Haverá exclusão judicial quando houver falta grave no cumprimento das obrigações do sócio[5], devendo a ação de dissolução parcial da sociedade ser provocada pela maioria dos demais sócios. Ainda que a lei não conceitue o termo “falta grave”, esta deve ser atual, grave, estar relacionada diretamente a assuntos da sociedade e ser a última medida tomada – última ratio – para resolver o conflito gerado. Em outras palavras, a falta grave pode ser compreendida como a grave e atual quebra dos deveres sociais imputáveis ao excludendo, que coloque em risco a continuidade da empresa[6], sendo a jurisprudência do STJ categórica ao considerá-la como requisito para o deferimento da exclusão do sócio. A mera alegação da quebra da affectio societatis (vínculo social entre os sócios) é consideradainsuficiente, pois esta é sempre precedida/provocada por um evento anterior, a justa causa, que deve comprovada[7].

Destaca-se que, nas sociedades limitadas, não há óbice para a exclusão extrajudicial do sócio por justa causa, medida que se dará mediante alteração no contrato social, desde que operada por deliberação da maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, e que haja previsão expressa desta possibilidade no Contrato Social da sociedade[8]. Quanto à exigência de previsão no Contrato Social, observa-se que a legislação buscou proteger o sócio minoritário da possibilidade de ser excluído, ainda que por falta grave, de forma repentina e arbitrária. Por isso, não havendo esta disposição, deverão os demais sócios recorrer à via judicial.

Ademais, a lei autoriza a exclusão judicial de sócio por incapacidade superveniente, que, vale ressaltar, não se dá de forma automática, mas após constatada a incapacidade e depende da análise criteriosa de cada caso concreto, de modo que se possa concluir que, necessariamente, a situação de incapacidade prejudica o bom exercício da atividade empresarial.

Quanto às demais hipóteses de exclusão extrajudicial do sócio, pode-se mencionar a exclusão do sócio remisso, que é aquele que está em mora perante a sua obrigação de integralizar sua quota parte do capital social da empresa. A exclusão do remisso é uma das possibilidades contempladas pela lei para que os demais sócios conduzam a situação sem a necessidade de acionar o judiciário, sendo também possível que, em caso de integralização parcial, optem por reduzir a quota do remisso, ao que foi efetivamente integralizado[9].

Por último, o sócio falido e o que tiver sua quota liquidada pelo credor serão excluídos, de pleno direito, constituindo, portanto, modalidade extrajudicial de exclusão[10].

Em todas as hipóteses acima, o desligamento de sócio da sociedade implica na liquidação de suas quotas. Para que haja a referida liquidação, deve-se levar em conta a data em que houve o efetivo desligamento/resolução[11] e a situação patrimonial da sociedade. Os critérios para a realização desta apuração de haveres poderão ser definidos pelo Contrato Social ou, em sua omissão, será feita com base na situação patrimonial da sociedade, à data de resolução, verificada por meio de balanço especialmente levantado[12], devendo esse critério ser respeitado pelo juiz, em caso de dissolução parcial operada pela via judicial[13].

As condições e prazo para pagamento das quotas liquidadas também deverão observar as normas do Contrato Social sobre o assunto ou eventual acordo realizado entre o sócio excluído e a sociedade. Não havendo menção sobre este tema ou não tendo sido realizado acordo, o pagamento deverá ser feito em dinheiro e em até 90 (noventa) dias contados da data da liquidação, conforme previsão legal[14].

Convém mencionar que a retirada e a exclusão de sócio não têm condão de isentá-lo da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores à resolução/desligamento por um período de 2 (dois) anos após a averbação da dissolução parcial da sociedade, bem como pelas obrigações posteriores, por igual prazo, enquanto não for requerido o devido averbamento. No caso de morte do sócio, somente a responsabilidade das obrigações anteriores ao óbito é repassada aos herdeiros[15], lembrando que estes respondem até o limite da herança e na proporção da parte que couber a cada um[16].

Diante das considerações acima, observa-se que a lei regulou os direitos fundamentais constitucionalmente garantidos de se associar e de não se manter associado definindo, para tanto, as hipóteses e procedimentos necessários para a retirada voluntária ou involuntária (exclusão) de sócios de uma sociedade.


[1]RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. DIREITO SOCIETÁRIO. SOCIEDADE LIMITADA. APLICAÇÃO SUPLETIVA DAS NORMAS RELATIVAS A SOCIEDADES ANÔNIMAS. ART. 1.053 DO CC. POSSIBILIDADE DE RETIRADA VOLUNTÁRIA IMOTIVADA. APLICAÇÃO DO ART. 1.029 DO CC. LIBERDADE DE NÃO PERMANECER ASSOCIADO GARANTIDA CONSTITUCIONALMENTE. ART. 5º, XX, DA CF. OMISSÃO RELATIVA À RETIRADA IMOTIVADA NA LEI N. 6.404/76. OMISSÃO INCOMPATÍVEL COM A NATUREZA DAS SOCIEDADES LIMITADAS. APLICAÇÃO DO ART. 1.089 DO CC. 1. Entendimento firmado por este Superior Tribunal no sentido de ser a regra do art. 1.029 do CC aplicável às sociedades limitadas, possibilitando a retirada imotivada do sócio e mostrando-se descipicendo, para tanto, o ajuizamento de ação de dissolução parcial. 2. Direito de retirada imotivada que, por decorrer da liberdade constitucional de não permanecer associado, garantida pelo inciso XX do art. 5º da CF, deve ser observado ainda que a sociedade limitada tenha regência supletiva da Lei n. 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas). 3. A ausência de previsão na Lei n. 6.404/76 acerca da retirada imotivada não implica sua proibição nas sociedades limitadas regidas supletivamente pelas normas relativas às sociedades anônimas, especialmente quando o art. 1.089 do CC determina a aplicação supletiva do próprio Código Civil nas hipóteses de omissão daquele diploma. 4. Caso concreto em que, ainda que o contrato social tenha optado pela regência supletiva da Lei n. 6.404/76, há direito potestativo de retirada imotivada do sócio na sociedade limitada em questão. 5. Tendo sido devidamente exercido tal direito, conforme reconhecido na origem, não mais se mostra possível a convocação de reunião com a finalidade de deliberar sobre exclusão do sócio que já se retirou. 6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.839.078 – SP, relator Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Julgamento: 09/03/2021, DJE 26/03/2021).

[2] Art. 5º, Constituição Federal. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]

XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; […]

[3] Art. 1.029, Código Civil. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.

Parágrafo único. Nos trinta dias subseqüentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade.

[4] Art. 1.077, Código Civil. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031 .

[5] Art. 1.030, Código Civil. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente.

[6] AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO TOMADA EM REUNIÃO DE SÓCIOS. EXCLUSÃO DO SÓCIO MINORITÁRIO. FALTA GRAVE. INEXISTÊNCIA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. A exclusão do sócio, extrajudicial ou judicial, não prescinde da demonstração de prática de ato de inegável gravidade, que efetivamente ponha em risco a continuidade da empresa. Precedentes.

2. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.913.037/PE, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/12/2022, DJe de 14/12/2022).

[7]AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM – DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE C/C EXCLUSÃO DE SÓCIOS MINORITÁRIOS – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO. INSURGÊNCIA DAS AGRAVANTES. 1. Na espécie, o Tribunal de origem concluiu que, para exclusão judicial de sócio, não basta a alegação de quebra da affectio societatis, mas a demonstração de justa causa, ou seja, dos motivos que ocasionaram essa quebra. 1.1. O acórdão recorrido que adota a orientação firmada pela jurisprudência do STJ no sentido de ser necessária a demonstração de justa causa na hipótese de ação de dissolução de sociedade, promovida pelos sócios majoritários, para excluir de sociedade anônima fechada, de caráter familiar, sócio minoritário que se opõe à exclusão. Aplica-se, na hipótese, a Súmula 83 do STJ. Precedentes. 1.2. Além disso, é inviável ao Superior Tribunal de Justiça rever a conclusão do órgão julgador acerca da ausência da demonstração da justa causa e a quebra da affectio societatis entre os sócios, pois demandaria o exame do contexto fático-probatório dos autos, atraindo o óbice da Súmula 7/STJ. Precedente. 2. Agravo interno desprovido.” (AgInt no AREsp n. 557.192/MS, relator Min. MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 18/9/2018, DJe de 25/9/2018).

[8] Art. 1.085, Código Civil. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.

Parágrafo único. Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade, a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa. (Redação dada pela Lei nº 13.792, de 2019)

[9] Art. 1.004, Código Civil. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora.

Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1º do art. 1.031.

[10] Art. 1.030, Código Civil. Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026.

[11] Art. 605, Código de Processo Civil. A data da resolução da sociedade será:

I – no caso de falecimento do sócio, a do óbito;

II – na retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante;

III – no recesso, o dia do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio dissidente;

IV – na retirada por justa causa de sociedade por prazo determinado e na exclusão judicial de sócio, a do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade; e

V – na exclusão extrajudicial, a data da assembleia ou da reunião de sócios que a tiver deliberado.

[12] Art. 1.031, Código Civil. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

[13] Art. 606, Código de Processo Civil. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.

[14] Art. 1.031, § 2º, Código Civil. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.

[15] Art. 1.032, Código Civil. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.

[16] Art. 796, Código de Processo Civil. O espólio responde pelas dívidas do falecido, mas, feita a partilha, cada herdeiro responde por elas dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe coube.