Por Renan Marques Peixoto
As crises financeiras enfrentadas nos últimos anos levaram ao aumento do número de empresas em recuperação judicial e das discussões acerca da possibilidade de realização de penhoras em face daquelas em executivos fiscais.
Paralelamente, a busca de ativos financeiros em processos judiciais sofreu relevantes alterações em virtude do desenvolvimento do Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário – SISBAJUD, que foi lançado em 12/2019, por meio da cooperação entre o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, do Banco Central e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN para aprimorar a forma que o poder Judiciário transmite suas ordens às instituições financeiras, mediante a renovação tecnológica da ferramenta.
Dentre as funcionalidades do novo sistema se encontra a reiteração automática de ordens de bloqueio, pelo prazo de até 30 dias, até o bloqueio do valor necessário para o seu total cumprimento, a qual ficou conhecida como “teimosinha”.
No entanto, deve se discutir a viabilidade e razoabilidade da utilização da “teimosinha” em face de empresas em recuperação judicial, devido aos efeitos nefastos que este tipo de penhora pode ter no soerguimento e na manutenção do desenvolvimento da atividade empresarial.
Ainda não há muitas decisões judiciais sobre o assunto, em virtude da determinação pelo STJ, em 02/2018, de sobrestamento de todos os processos no território nacional que discutiam a possibilidade de prática de atos constritivos, em face de empresas em recuperação judicial, em sede de execução fiscais, até o julgamento do Tema Repetitivo nº 987, que perdurou até 28/06/2021, quando houve o cancelamento do referido tema.
Não obstante, deve se reconhecer que a utilização da teimosinha impede a utilização das contas bancárias para pagamento de funcionários, de fornecedores, de tributos e parcelamentos, PARALIZANDO toda a cadeia produtiva, o que inviabiliza a exploração da atividade empresarial. O que inconcebível para empresas que não podem deixar de faturar pois precisam de todos os recursos disponíveis para fazer frente as suas despesas e para cumprir o plano de recuperação judicial.
Ademais, a “teimosinha” equivale a penhora de créditos, ou seja a penhora de recebíveis, a qual somente deve ser adotada em ÚLTIMO caso contra empresas sadias, apenas posteriormente a tentativa de penhora de faturamento, que por si só, já é uma medida excepcional, por depender do cumprimento de determinados requisitos, quais sejam, o esgotamento de outras formas de garantia, a fixação em percentual que não impeça o desenvolvimento da atividade empresarial e, a nomeação de administrador judicial, conforme jurisprudência sólida do E. STJ.[1]
Portanto, a penhora impugnada, “teimosinha”, é muito pior que penhora de faturamento, por ser realizada sem a verificação do seu impacto no plano de recuperação, no faturamento da empresa em recuperação e sem que tenha sido efetuada a dedução de todos os tributos devidos (impostos diretos e indiretos e contribuições) ou o pagamento dos demais custos decorrentes da sua operação e atividade; inclusive porque só se admite penhora sobre faturamento líquido, pois a penhora sobre faturamento bruto presumidamente afigura-se como óbice para o desenvolvimento da atividade empresarial.
Neste sentido, confira-se decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo acerca da necessidade das constrições caírem sobre o faturamento líquido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPRA E VENDA. FASE DE LIQUIDAÇÃO OU EXECUÇÃO. Cumprimento de sentença.
Decisão agravada que determinou a penhora do faturamento da executada e nomeou administrador judicial. Penhora sobre faturamento que se mostra oportuna e adequada para satisfazer a execução na espécie. CONSTRIÇÃO QUE, NO ENTANTO, DEVE RECAIR SOBRE FATURAMENTO LÍQUIDO DA COOPERATIVA, JÁ QUE A INCIDÊNCIA SOBRE FATURAMENTO BRUTO PODE COMPROMETER, DE FORMA PRESUMIDA, A SUA CAPACIDADE DE CUMPRIR COM SUAS OBRIGAÇÕES, PREJUDICANDO A CONTINUIDADE DE SUAS ATIVIDADES. A intervenção judicial determinada, por outro lado, não foi requerida pela parte, não existindo elementos nos autos que autorizem sua concessão imediata e de ofício. OPORTUNO AGUARDAR O DESFECHO DA DETERMINAÇÃO DE PENHORA SOBRE FATURAMENTO ANTES DE SE PROCEDER À TOMADA DE MEDIDAS AINDA MAIS SEVERAS SOBRE A EXECUTADA. Decisão reformada parcialmente, para afastar a nomeação de administrador judicial e limitar a penhora ao faturamento líquido da executada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.”
(TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Viviani Nicolau, Agravo de Instrumento n.º 2019299-65.2019.8.26.0000, DJe: 11/04/2019)
“Execução de título extrajudicial. Penhora sobre faturamento. Cabimento. Inexistência de outros bens passíveis de penhora. Constrição de 5% sobre o faturamento que não inviabilizará o funcionamento da executada. Limitação da incidência ao faturamento líquido, assim considerado como o faturamento bruto após a dedução de todos os tributos devidos (impostos diretos e indiretos e contribuições). Recurso parcialmente provido.”
(TJSP, 16ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Mauro Conti Machado, Agravo de Instrumento n.º 2165035-85.2017.8.26.0000, DJe: 30/11/2017)
Assim, não restam dúvidas dos prejuízos experimentados pelas empresas em recuperação ao sofrerem uma penhora teimosinha.
Todas as vezes que a uma empresa em recuperação sofre um bloqueio reiterado por 30 dias, até o limite do débito executado perde o seu fluxo de caixa, fica desprovida dos recursos que seriam utilizados para compra de insumos, o que leva a redução da sua produção e consequentemente impacta na redução de seu faturamento
Em outras palavras, fica com suas atividades paradas durante o tempo que transcorre entre a implementação das penhoras, a apresentação de pedido desfazimento ou de substituição perante o Juízo da recuperação, a manifestação da administradora judicial, a prolação de decisão deferindo a substituição e o desfazimento das constrições. O que inconcebível para uma empresa que não pode deixar de faturar pois precisa de todos os recursos disponíveis para fazer frente as suas despesas.
Deve ser observado o entendimento do STJ de que deve ser dada efetividade ao art. 47, da Lei de Recuperação Judicial, a fim de que a recuperação judicial cumpra seu objetivo de viabilizar a superação de crise econômico-financeira do devedor, a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, a preservação da função social da empresa e de estimular o desenvolvimento da atividade econômica.
Portanto, a conclusão não pode ser outra que não a impossibilidade de implementação da penhora teimosinha em face de empresas em recuperação, em virtude da irrazoabilidade da medida frente ao propósito de manutenção do desenvolvimento e soerguimento da atividade.
[1] (STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, REsp n.º 1.803.168, DJe de 31/05/2019), (STJ, 2ª Turma, Relator Min. Herman Benjamin, REsp n.º 1.804.003/SP, DJe de 21/05/2019), (STJ, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Agravo Interno em AREsp n.º 454.526 DJe de 25/02/2019) e (STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, Agravo Regimental no AREsp nº. 737.657/SP, Dje de 13/04/2016)