Implementação de penhora teimosinha contra empresas em recuperação judicial

19 de julho de 2022

Por Renan Marques Peixoto

As crises financeiras enfrentadas nos últimos anos levaram ao aumento do número de empresas em recuperação judicial e das discussões acerca da possibilidade de realização de penhoras em face daquelas em executivos fiscais.

Paralelamente, a busca de ativos financeiros em processos judiciais sofreu relevantes alterações em virtude do desenvolvimento do Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário – SISBAJUD, que foi lançado em 12/2019, por meio da cooperação entre o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, do Banco Central e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN para aprimorar a forma que o poder Judiciário transmite suas ordens às instituições financeiras, mediante a renovação tecnológica da ferramenta.

Dentre as funcionalidades do novo sistema se encontra a reiteração automática de ordens de bloqueio, pelo prazo de até 30 dias, até o bloqueio do valor necessário para o seu total cumprimento, a qual ficou conhecida como “teimosinha”.

No entanto, deve se discutir a viabilidade e razoabilidade da utilização da “teimosinha” em face de empresas em recuperação judicial, devido aos efeitos nefastos que este tipo de penhora pode ter no soerguimento e na manutenção do desenvolvimento da atividade empresarial.

Ainda não há muitas decisões judiciais sobre o assunto, em virtude da determinação pelo STJ, em 02/2018, de sobrestamento de todos os processos no território nacional que discutiam a possibilidade de prática de atos constritivos, em face de empresas em recuperação judicial, em sede de execução fiscais, até o julgamento do Tema Repetitivo nº 987, que perdurou até 28/06/2021, quando houve o cancelamento do referido tema.

Não obstante, deve se reconhecer que a utilização da teimosinha impede a utilização das contas bancárias para pagamento de funcionários, de fornecedores, de tributos e parcelamentos, PARALIZANDO toda a cadeia produtiva, o que inviabiliza a exploração da atividade empresarial. O que inconcebível para empresas que não podem deixar de faturar pois precisam de todos os recursos disponíveis para fazer frente as suas despesas e para cumprir o plano de recuperação judicial.

Ademais, a “teimosinha” equivale a penhora de créditos, ou seja a penhora de recebíveis, a qual somente deve ser adotada em ÚLTIMO caso contra empresas sadias, apenas posteriormente a tentativa de penhora de faturamento, que por si só, já é uma medida excepcional, por depender do cumprimento de determinados requisitos, quais sejam, o esgotamento de outras formas de garantia, a fixação em percentual que não impeça o desenvolvimento da atividade empresarial e, a nomeação de administrador judicial, conforme jurisprudência sólida do E. STJ.[1]

Portanto, a penhora impugnada, “teimosinha”, é muito pior que penhora de faturamento, por ser realizada sem a verificação do seu impacto no plano de recuperação, no faturamento da empresa em recuperação e sem que tenha sido efetuada a dedução de todos os tributos devidos (impostos diretos e indiretos e contribuições) ou o pagamento dos demais custos decorrentes da sua operação e atividade; inclusive porque só se admite penhora sobre faturamento líquido, pois a penhora sobre faturamento bruto presumidamente afigura-se como óbice para o desenvolvimento da atividade empresarial.

Neste sentido, confira-se decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo acerca da necessidade das constrições caírem sobre o faturamento líquido:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPRA E VENDA. FASE DE LIQUIDAÇÃO OU EXECUÇÃO. Cumprimento de sentença.

Decisão agravada que determinou a penhora do faturamento da executada e nomeou administrador judicial. Penhora sobre faturamento que se mostra oportuna e adequada para satisfazer a execução na espécie. CONSTRIÇÃO QUE, NO ENTANTO, DEVE RECAIR SOBRE FATURAMENTO LÍQUIDO DA COOPERATIVA, JÁ QUE A INCIDÊNCIA SOBRE FATURAMENTO BRUTO PODE COMPROMETER, DE FORMA PRESUMIDA, A SUA CAPACIDADE DE CUMPRIR COM SUAS OBRIGAÇÕES, PREJUDICANDO A CONTINUIDADE DE SUAS ATIVIDADES. A intervenção judicial determinada, por outro lado, não foi requerida pela parte, não existindo elementos nos autos que autorizem sua concessão imediata e de ofício. OPORTUNO AGUARDAR O DESFECHO DA DETERMINAÇÃO DE PENHORA SOBRE FATURAMENTO ANTES DE SE PROCEDER À TOMADA DE MEDIDAS AINDA MAIS SEVERAS SOBRE A EXECUTADA. Decisão reformada parcialmente, para afastar a nomeação de administrador judicial e limitar a penhora ao faturamento líquido da executada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.”

(TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Viviani Nicolau, Agravo de Instrumento n.º 2019299-65.2019.8.26.0000, DJe: 11/04/2019)

“Execução de título extrajudicial. Penhora sobre faturamento. Cabimento. Inexistência de outros bens passíveis de penhora. Constrição de 5% sobre o faturamento que não inviabilizará o funcionamento da executada. Limitação da incidência ao faturamento líquido, assim considerado como o faturamento bruto após a dedução de todos os tributos devidos (impostos diretos e indiretos e contribuições). Recurso parcialmente provido.”

(TJSP, 16ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Mauro Conti Machado, Agravo de Instrumento n.º 2165035-85.2017.8.26.0000, DJe: 30/11/2017)

Assim, não restam dúvidas dos prejuízos experimentados pelas empresas em recuperação ao sofrerem uma penhora teimosinha.

Todas as vezes que a uma empresa em recuperação sofre um bloqueio reiterado por 30 dias, até o limite do débito executado perde o seu fluxo de caixa, fica desprovida dos recursos que seriam utilizados para compra de insumos, o que leva a redução da sua produção e consequentemente impacta na redução de seu faturamento

Em outras palavras, fica com suas atividades paradas durante o tempo que transcorre entre a implementação das penhoras, a apresentação de pedido desfazimento ou de substituição perante o Juízo da recuperação, a manifestação da administradora judicial, a prolação de decisão deferindo a substituição e o desfazimento das constrições. O que inconcebível para uma empresa que não pode deixar de faturar pois precisa de todos os recursos disponíveis para fazer frente as suas despesas.

Deve ser observado o entendimento do STJ de que deve ser dada efetividade ao art. 47, da Lei de Recuperação Judicial, a fim de que a recuperação judicial cumpra seu objetivo de viabilizar a superação de crise econômico-financeira do devedor, a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, a preservação da função social da empresa e de estimular o desenvolvimento da atividade econômica.

Portanto, a conclusão não pode ser outra que não a impossibilidade de implementação da penhora teimosinha em face de empresas em recuperação, em virtude da irrazoabilidade da medida frente ao propósito de manutenção do desenvolvimento e soerguimento da atividade.


[1] (STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, REsp n.º 1.803.168, DJe de 31/05/2019), (STJ, 2ª Turma, Relator Min. Herman Benjamin, REsp n.º 1.804.003/SP, DJe de 21/05/2019), (STJ, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Agravo Interno em AREsp n.º 454.526 DJe de 25/02/2019) e (STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, Agravo Regimental no AREsp nº. 737.657/SP, Dje de 13/04/2016)