O negociado prevalece sobre o legislado?

6 de junho de 2022

Por Karina Frischlander

De tempos em tempos, a Consolidação das Leis do Trabalho “sofre” uma flexibilização, foi assim com a previsão de afastamento do empregado para realizar curso de qualificação, com o trabalho a tempo parcial e, mais recentemente, com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017).

Uma das mudanças mais comemoradas, especialmente por parte dos empregadores, foi a previsão de prevalência do negociado sobre o legislado, pois trazia a reboque a possibilidade de flexibilização de direitos trabalhistas de forma a diminuir os altos custos com os empregados, reclamação recorrente dos empregadores.

No entanto, a norma não teve o efeito desejado de forma imediata, considerando que em nada diminuiu o número de ações decorrentes de invalidade de cláusula de acordo e/ou convenção coletiva, sendo que algumas ficaram para decisão do Supremo Tribunal Federal, que depois de mais de quatro anos de espera, enfim, levou a julgamento um processo que discutia a prevalência do negociado sobre o legislado, já considerando a edição do artigo 611-A da CLT[1].

No Recurso Extraordinário (ARE 1121633), com repercussão geral reconhecida[2] o Tribunal decidiu que: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis“.

A decisão demonstra, que o STF está caminhando no sentido de acolher a prevalência do acordo e/ou convenção coletiva sobre a lei, desde que estes respeitem patamares mínimos, no caso, os direitos indisponíveis constitucionalmente previstos.

Tanto é que, na mesma semana, em outra decisão (ADPF 381), proferida antes mesmo da ora referida, o Tribunal manteve decisões que invalidaram acordos e convenções pactuados entre transportadoras e motoristas, por entender pela ofensa ao mínimo previsto (no caso, pagamento de horas extras para serviço externo com possibilidade de controle de jornada).

É certo que as duas decisões, a princípio, contraditórias, servem como esteio do entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de estabelecer proteção mínima ao trabalhador empregado e, de outro lado, validar acordos e convenções coletivos quando versarem sobre matéria que não envolva perda de direitos indisponíveis; como aliás, já dispõe o próprio artigo 611-B da CLT, que veda a flexibilização de direitos como 13º salário, número de dias das férias, remuneração do trabalho noturno maior que o diurno entre outros.

Diante do decidido, certamente, os Sindicatos terão maior segurança jurídica no momento da celebração das normas coletivas, uma vez que, observando um mínimo de garantias, poderão dispor da forma que melhor atenda os anseios de empregados e empregadores.

No nosso sentir, a notícia se mostra favorável às empresas, pois privilegia o acordado entre as partes direta e especificamente interessadas, com a possibilidade de flexibilizar alguns direitos, sem propor contrapartidas. É a dicção do § 2º do artigo 611-A: “A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico.”.

Dessa forma, podemos concluir pela patente importância do julgamento realizado pela Suprema Corte, porquanto abre, doravante, a possibilidade de pactuação de novos acordos e convenções com alguma flexibilização de direitos, sem que haja risco de ter sua nulidade decretada judicialmente.


[1] Art. 611-A.  A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei (…)

[2] Tema 1.046 – Validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente.