Novos formatos de investimentos nas sociedades limitadas e seus aspectos relevantes

30 de agosto de 2022

Por Luisa Carolina Aki Toyoshima e Hévila Pereira Alvarenga

Resultado da conversão em lei da Medida Provisória nº 1.040/2021, a Lei nº 14.195/2021 foi editada com a finalidade de modernizar o ambiente de negócios no país e integra um movimento recente de inovações legislativas que busca desburocratizar operações no mercado, inclusive o mercado de capitais, bem como garantir maior segurança jurídica aos players envolvidos, conferindo ao Brasil maior competitividade no cenário econômico internacional[1]. De forma inédita, a Lei nº 14.195/2021 regulamenta a Nota Comercial, criando uma modalidade de financiamento para as sociedades limitadas[2].

Antes da Lei nº 14.195/2021, o financiamento das sociedades limitadas era restrito ao uso de Notas Promissórias e Cédulas de Crédito Bancário (CCB), o que dificultava a capitação de investimentos, principalmente por startups desse tipo societário.

Do aspecto jurídico, a Lei nº 14.195/2021 regulamenta a Nota Comercial, prevista no artigo 2º, VI, da Lei nº 6.385/76. No entanto, antes da nova regulamentação, a Nota Comercial era disciplinada pela Lei Uniforme de Genebra (L.U.G. – Decreto nº 57.663/66), pela ICVM nº 566/2015 e diplomas anteriores da CVM, cujos conteúdos regulamentavam também a Nota Promissória, ensejando uma certa confusão de institutos e a baixa aplicabilidade da Nota Comercial. Em síntese, com a Lei nº 14.195/2021, houve a efetiva separação de tais institutos, visando a maior utilização da Nota Comercial como forma de captar investimentos pelas sociedades limitadas.

De acordo com o art. 45 da Lei nº 14.195/2021, a Nota Comercial consiste em espécie valor mobiliário, título de crédito não conversível em ações, de livre negociação, que representa uma promessa de pagamento em dinheiro, emitido sob a forma escritural, via Termo de Emissão, por instituições autorizadas a prestar o serviço de escrituração pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM)[3].

A Nota Comercial possui grande similaridade com a debênture, no entanto, não a substitui, inclusive, possuí algumas vantagens em relação a esta como, por exemplo, a não obrigatoriedade de arquivamento e inscrição da escritura nas respectivas Juntas Comerciais e a não obrigatoriedade de constituição de garantia real como disciplina o artigo 62 da Lei nº de 6.404/76[4]. Em relação à garantia, a nova norma trata de sua instituição como faculdade do emissor.

Podemos mencionar, ainda, as seguintes vantagens oferecidas pela Nota Comercial: i) a desnecessidade de ser emitida por meio de papel físico (cártula), devendo sua titularidade ser atribuída de forma eletrônica, atenuando o princípio da cartularidade[5]; ii) a não definição de um prazo máximo de vencimento, como ocorre na Nota Promissória[6]; e iii) a possibilidade de pagamentos periódicos de taxa de juros e amortização, sendo dispensada a necessidade da emissão de Notas Comerciais com inúmeras séries e seus respectivos vencimentos.

A competência para deliberar a respeito da emissão da Nota Comercial é do órgão administrativo ou administrador da empresa[7]. Os elementos essenciais estão discriminados no art. 47 da Lei 14.195/2022.

Outra vantagem da Nota Comercial é que, como tem natureza de título executivo extrajudicial, poderá ser executada independentemente de protesto, com base na certidão emitida pelo escriturador ou pelo depositário central[8].

Ademais, a norma garante à CVM a possibilidade de instituir requisitos adicionais à emissão da Nota Comercial, podendo inclusive estabelecer a contratação de agente fiduciário quando o título de crédito for ofertado publicamente ou for admitido à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários. Logo, infere-se que a regra é pela desnecessidade de agente fiduciário para ofertas privadas e aos casos mencionados acima enquanto não houver regulamentação da CVM[9].

A lei traz, em seu art. 51, os requisitos para as distribuições privadas, sendo eles: i) observar os padrões técnicos adequados por meio da observância aos Princípios para Infraestruturas do Mercado Financeiro do Bank for International Settlements (BIS), inclusive no que diz respeito à segurança, à governança e à continuidade de negócios; ii) garantir acesso integral às informações mantidas por si ou por terceiros por elas contratados para realizar atividades relacionadas com a escrituração; iii) garantir acesso aos participantes do mercado às informações claras e objetivas, observadas as restrições legais de acesso a informações; e iv) observar requisitos e empregar mecanismos que garantam a interoperabilidade da escrituração com os demais sistemas de escrituração autorizados pela CVM[10]. Excepcionalmente, tratando-se de emissão privada por sociedade limitada, a norma atenua a natureza não conversível da Nota Comercial ao autorizar sua conversão em participação societária[11].

Com essa nova modalidade de investimento disponível para as sociedades limitadas, espera-se a facilitação na captação de investimentos para esse tipo societário, fomentando a atividade econômica e o desenvolvimento de novas empresas, principalmente as startups.


[1] Podemos mencionar a Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), resultado da conversão em Lei da Medida Provisória nº 881/2019, a Lei nº 14.430/2022 (Marco Legal de Securitização), resultado da conversão em Lei da Medida Provisória nº 1 103/2022, e de outras alterações legislativas recentes, como a reforma da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falências).

[2] Lei nº. 14.195/2022. Art. 46. Podem emitir a nota comercial as sociedades anônimas, as sociedades limitadas e as sociedades cooperativas.

[3] Lei nº. 14.195/2022. Art. 45. A nota comercial, valor mobiliário de que trata o inciso VI do caput do art. 2º da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, é título de crédito não conversível em ações, de livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro, emitido exclusivamente sob a forma escritural por meio de instituições autorizadas a prestar o serviço de escrituração pela Comissão de Valores Mobiliários.

[4] Lei nº de 6.404/76. Art. 62. Nenhuma emissão de debêntures será feita sem que tenham sido satisfeitos os seguintes requisitos: (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) I – arquivamento, no registro do comércio, e publicação da ata da assembléia-geral, ou do conselho de administração, que deliberou sobre a emissão; (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001); II – inscrição da escritura de emissão no registro do comércio; (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001); III – constituição das garantias reais, se for o caso.

[5] Lei nº. 14.195/2022. Art. 49. A titularidade da nota comercial será atribuída exclusivamente por meio de controle realizado nos sistemas informatizados do escriturador ou no depositário central, quando esse título for objeto de depósito centralizado.

[6] ICVM nº 566/2015. Art. 5° O prazo de vencimento da nota promissória deve ser de no máximo 360 (trezentos e sessenta) dias a contar da data de sua emissão, havendo, obrigatoriamente, apenas uma data de vencimento por série. § 1° Não estão sujeitas ao prazo máximo de vencimento a que se refere o caput as notas promissórias que, cumulativamente: I – tenham sido objeto de oferta pública de distribuição com esforços restritos, conforme regulamentação específica; e II – contem com a presença de agente fiduciário dos titulares das notas promissórias. II – contem com a presença de agente contratado para representar e zelar pela proteção dos interesses e direitos da comunhão dos titulares das notas promissórias, submetido à norma específica que dispõe sobre o exercício da função de agente fiduciário.

[7] Lei nº. 14.195/2022. Art. 46. Parágrafo único. A deliberação sobre emissão de nota comercial é de competência dos órgãos de administração, quando houver, ou do administrador do emissor, observado o que dispuser a respeito o respectivo ato constitutivo.

[8] Lei nº. 14.195/2022. Art. 48. A nota comercial é título executivo extrajudicial, que pode ser executado independentemente de protesto, com base em certidão emitida pelo escriturador ou pelo depositário central, quando esse título for objeto de depósito centralizado. Parágrafo único. A nota comercial poderá ser considerada vencida na hipótese de inadimplemento de obrigação constante do respectivo termo de emissão.

[9] Lei nº. 14.195/2022. Art. 50. A Comissão de Valores Mobiliários poderá estabelecer requisitos adicionais aos previstos nesta Lei, inclusive a eventual necessidade de contratação de agente fiduciário, relativos à nota comercial que seja: I – ofertada publicamente; ou II – admitida à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários.

[10] Lei nº. 14.195/2022. Art. 51. Nas distribuições privadas, o serviço de escrituração deverá ser efetuado em sistemas que atendam aos seguintes requisitos:

I – comprovação da observância de padrões técnicos adequados, em conformidade com os Princípios para Infraestruturas do Mercado Financeiro do Bank for International Settlements (BIS), inclusive no que diz respeito à segurança, à governança e à continuidade de negócios;

II – garantia de acesso integral às informações mantidas por si ou por terceiros por elas contratados para realizar atividades relacionadas com a escrituração;

III – garantia de acesso amplo a informações claras e objetivas aos participantes do mercado, sempre observadas as restrições legais de acesso a informações; e

IV – observância de requisitos e emprego de mecanismos que assegurem a interoperabilidade com os demais sistemas de escrituração autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários.

[11] Lei nº. 14.195/2022. Art. 51. § 2º A oferta privada de nota comercial poderá conter cláusula de conversibilidade em participação societária, exceto em relação às sociedades anônimas.