As quotas preferenciais e seus impactos, benefícios e possibilidades nas sociedades limitadas

3 de maio de 2022

Por Hévila Pereira Alvarenga e Thiago Vieira de Almeida Prado

Há muito se discute a possibilidade da existência de quotas preferenciais nas sociedades limitadas, vez que o Código Civil de 2002 se manteve silente sobre o assunto. A doutrina se dividia sobre o tema, com vertentes favoráveis e desfavoráveis. Os defensores da possibilidade da adoção das quotas preferenciais utilizavam como base o art. 1.055 do Código Civil [1], que permite a divisão desigual do capital social.

Apesar da discussão se manter apenas no campo doutrinário, já que em 2003, o então órgão regulador, Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC) editou a Instrução Normativa nº 98/2003 afirmando que as quotas preferenciais não poderiam ser criadas nas sociedades limitadas, no item 1.2.16.3 [2], em 2017, houve uma mudança por parte do novo órgão regulador, o Departamento Nacional de Registro Empresarial (DREI), quando da edição da Instrução Normativa nº 38/2017 [3].

A Instrução Normativa supramencionada permitiu o registro de sociedade limitadas com quotas preferenciais, consignando que, neste caso, presumir-se-ia a regência supletiva pela Lei das Sociedades Anônimas (LSA), sem, contudo, dispor sobre a possibilidade da limitação do poder de voto.

Foi a Instrução Normativa nº 81/2020 do DREI [4] que disciplinou, ainda que precariamente, a possibilidade da adoção das quotas preferenciais nas sociedades limitadas, com restrição do direito ao voto, inclusive dispondo que, caso exista quotas preferenciais sem direito a voto, estas não serão computadas para efeito dos quóruns de instalação e deliberações previstas no Código Civil.

A nova Instrução do DREI está em consonância com a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), que, em seu art. 3º, VIII garante aos particulares a livre estipulação de negócios empresariais paritários, com a aplicação das regras do direito empresarial de forma subsidiária [5].

Como o Código Civil é silente em relação ao tema, para as quotas preferenciais, aplicam-se as disposições sobre as ações preferenciais dispostas na LSA.

Assim como as ações, as quotas preferencias dão aos seus proprietários certos direitos em detrimentos de outros, sendo comum que elas possuam maiores benefícios patrimoniais em detrimento das restrições dos direitos políticos.

De acordo com o art. 17 da LSA [6], as ações, ou no caso, as quotas preferenciais, podem dar os seguintes benefícios aos sócios: a) prioridade na distribuição de dividendos fixos ou mínimos; b) prioridade no reembolso de capital, com ou sem prêmio; ou c) a acumulação de ambas as vantagens.

Além das vantagens dispostas acima, o Contrato Social também poderá prever minuciosamente outras vantagens a serem oferecidas aos quotistas preferenciais, como, por exemplo, a escolha de um dos membros do Conselho de Administração e/ou o poder de veto para mudanças sensíveis no Contrato Social.

Em contrapartida aos benefícios patrimoniais, existem restrições em relação a outros diretos, sendo a mais comum a ausência do poder de voto. Dessa forma, as quotas preferencias permitem que sócios que não estão interessados na administração e condução dos negócios sociais tenham vantagens patrimoniais, com maiores e/ou prioridades de ganhos sobre seus investimentos.

Com essa nova possibilidade, as sociedades limitadas, tipo societário mais utilizado no país, que são menos burocráticas, se tornam mais atrativas aos investidores que buscam apenas investimentos sem se preocuparem com as decisões/administração da sociedade.

Ainda, as quotas preferenciais também permitem um melhor planejamento patrimonial e sucessório, a fim de perpetuar a atividade empresarial, para que, quando as novas gerações passarem a figurar no quadro social da empresa, não prejudiquem as tomadas de decisões por questões familiares ou por inaptidão.

Por fim, vale ressaltar que as quotas preferencias com restrição ao direito de voto, podem corresponder a, no máximo, 50% (cinquenta por cento) do capital social da empresa [7].

Em suma, as quotas preferencias nas sociedades limitadas trazem maior liberdade aos sócios na condução dos negócios sociais, tonando esse tipo societário mais atrativo aos investidores e com maiores possibilidades de planejamento patrimonial e sucessório, com o objetivo de perpetuar a atividade empresarial.


[1] Art. 1.055. Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.

[2] Instrução Normativa DNRC nº 98/2003. Disponível em: <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=75621>.

[3] Instrução Normativa DREI nº 38/2017. Disponível em: < https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=338423>.

[4] Instrução Normativa DREI nº 81/2020. 5.3.1. 5.3.1. Quotas preferenciais. São admitidas quotas de classes distintas, nas proporções e condições definidas no contrato social, que atribuam a seus titulares direitos econômicos e políticos diversos, podendo ser suprimido ou limitado o direito de voto pelo sócio titular da quota preferencial respectiva, observados os limites da Lei nº 6.404, de 1976, aplicada supletivamente. Havendo quotas preferenciais sem direito a voto, para efeito de cálculo dos quóruns de instalação e deliberação previstos no Código Civil consideram-se apenas as quotas com direito a voto. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-n-81-de-10-de-junho-de-2020-261499054>. Acesso em: 11 abr. 2022.

[5] Lei 13.874/2019. Art. 3º, VIII. Art. 3º  São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal: VIII – ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm>. Acesso em: 11 abr. 2022.

[6] Art. 17. As preferências ou vantagens das ações preferenciais podem consistir: (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

I – em prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo;(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

II – em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; ou  (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

III – na acumulação das preferências e vantagens de que tratam os incisos I e II.(Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6404compilada.htm>. Acesso em: 11 abr. 2022.

[7] Art. 15, § 2º. § 2o O número de ações preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinquenta por cento) do total das ações emitidas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6404compilada.htm>. Acesso em: 11 abr. 2022.