Por Karina Frischlander
Já nos primeiros seis meses da pandemia causada pelo coronavírus, foi publicado um estudo encomendado pela Microsoft [1], concluindo que 33% das pessoas que estavam trabalhando remotamente referiam que a falta de separação entre trabalho e vida pessoal estava impactando negativamente seu bem-estar.
Não surpreendeu o resultado do Brasil, sendo o país pesquisado com mais pessoas afirmando que a pandemia havia aumentado o sentimento de exaustão em relação ao trabalho.
Em outubro de 2021, com a pandemia se estendendo por mais de 18 meses, o Instituto Brasileiro de Pesquisas e Análise de Dados (IBPAD) publicou um estudo [2] em que 70% dos entrevistados disseram estar mais nervosos, tensos ou preocupados com o trabalho e com a Covid-19. O mesmo estudo apontou que 62% dos colaboradores disseram que as empresas onde trabalham não oferecem ou nunca ofereceram suporte ou mesmo falaram sobre saúde mental.
Com a volta ao trabalho presencial – ainda que de forma híbrida – chega a hora das empresas se voltarem ao cuidado da saúde mental do trabalhador, especialmente no momento que o burnout [3] se torna doença reconhecida e incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde – a partir de janeiro de 2022.
Importante mencionar que o burnout foi relacionado como doença fora do capítulo que trata dos transtornos mentais e comportamentais[4], uma vez que, para a OMS, se trata de síndrome verificada apenas no local de trabalho, o que significa dizer que se trata, exclusivamente, de doença ocupacional.
A OMS descreve que essa síndrome se caracteriza por três dimensões [5]: 1) sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia; 2) aumento da distância mental do trabalho ou sentimentos de negativismo em relação ao trabalho e 3) sensação de ineficácia e falta de realização.
Outro ponto a referir é o crescimento exponencial das ações trabalhistas versando sobre burnout, com pedidos de responsabilização civil do empregador e consequente pagamento de indenizações por danos morais e materiais, ou seja, a doença se apresenta também como risco jurídico para as empresas.
A propósito, trechos de recente decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho [6]:
“2… Embora não se possa presumir a culpa em diversos casos de dano moral – em que a culpa tem de ser provada pelo autor da ação -, tratando-se de doença ocupacional, profissional ou de acidente do trabalho, essa culpa é presumida, em virtude de o empregador ter o controle e a direção sobre a estrutura, a dinâmica, a gestão e a operação do estabelecimento em que ocorreu o malefício. Registre-se que tanto a higidez física como a mental, inclusive emocional, do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nesta medida, também de sua honra.
São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição (art. 5º, V e X). Assim, agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Constituição da República, que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88). (…) Na hipótese , o Tribunal Regional consignou que o trabalho exercido, apesar de não ser fator único, atuou como concausa para o agravamento da patologia da qual a Autora é portadora (síndrome do esgotamento profissional – burnout (…) Anote-se, também, que, em relação ao dano moral, a existência de doença de cunho ocupacional, por si só, viola a dignidade do ser humano (limitação de sua condição física, ainda que temporária), geradora de indiscutível dor íntima, desconforto e tristeza.(…)”
Assim, conjugando os elementos acima referidos, podemos afirmar que esse é o momento adequado para as empresas buscarem ferramentas para evitar a incidência de doenças mentais em seus colaboradores. A pergunta que fica é: como realizar, com efetividade, a prevenção do estresse decorrente do meio ambiente do trabalho?
Sabemos que um ambiente do trabalho equilibrado reflete, diretamente, na maior produtividade do trabalhador, vez que a satisfação e a felicidade no trabalho são, comprovadamente, fatores que motivam e mantém o desempenho profissional em alta.
Podemos citar, entre as iniciativas para proteger a saúde mental do trabalhador, a importância do “incentivo às atividades corporativas e à boa convivência entre os membros da empresa; além do incentivo à qualificação profissional do trabalhador” [7].
Acrescente-se, como medida, a criação de meios para que o empregado possa externar suas percepções, frustrações e alegrias no trabalho, como, por exemplo, a implementação de feedback periódico e criação de ouvidoria imparcial e independente nas empresas de médio e grande porte. Outras medidas que mostram a preocupação do empregador com a saúde de seus colaboradores podem ser consideradas, como: instituição de programas de premiação por desempenho; redução das horas extras; avaliações psicológicas recorrentes, entre outras.
Assim, considerando que o ambiente laboral responde pela qualidade de vida do trabalhador, não apenas no aspecto econômico, mas também na esfera psicológica e social, é premente a necessidade das empresas implementarem um ambiente de trabalho sadio.
Denota-se, portanto, que são de suma importância ações constantes da empresa para prevenir a síndrome do esgotamento profissional, evitando assim, a ocorrência de doença ocupacional com consequente afastamento do empregado e garantia provisória de emprego, além da propositura de ações trabalhistas discutindo a responsabilidade do empregador.
De todo o exposto, podemos concluir que, sendo encargo do empregador um meio ambiente do trabalho saudável, é importante colocar em prática ações que tenham por escopo a melhoria das condições, dos relacionamentos e das tarefas desenvolvidas, a fim de afastar as danosas consequências decorrentes da falta de cuidado com a saúde mental dos colaboradores da empresa.
[1]https://exame.com/ciencia/44-dos-brasileiros-relataram-mais-burnout-durante-pandemia-diz-microsoft/. Acesso em 13/03/2022.
[2]https://www.ibpad.com.br/blog/pesquisa-revela-que-70-dos-empregados-tiveram-sua-saude-mental-afetada-pela-pandemia/. Acesso em 13/03/2022.
[3] síndrome conceituada como resultado do estresse crônico no local de trabalho, que não foi gerenciado de forma adequada.
[4] Código “F” da CID-10 – “6E” da Cid 11
[5] Tradução livre. CID 11 – QD85 – Burnout.
[6] Ag-AIRR-11787-11.2017.5.15.0059, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 02/07/2021.]
[7] A felicidade e realização profissional do trabalhador no ambiente laboral como fator determinante no aumento da produtividade. Revista de Direito do Trabalho | vol. 219/2021 | p. 119 – 138 | set – out / 2021 | dtr\2021\45188