Os impactos e benefícios da MP nº 1.103 para a atividade de securitização

5 de julho de 2022

Por Cristiane Dini, Luisa Carolina Aki Toyoshima e Thiago Vieira de Almeida Prado

A Medida Provisória nº 1.103, conhecida como “MP da Securitização” (doravante “MP”) representa um verdadeiro marco regulatório para as companhias securitizadoras ao tratar sobre a securitização de direitos creditórios e emissão de certificado de recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários, além de dispor acerca de emissão de Letra de Riscos de Seguro por meio de sociedade seguradora de propósito específico.

Até a promulgação da MP a operação de securitização era considerada um conjunto de negócios jurídicos distintos, cujo termo “securitização” era utilizado no mercado financeiro para identificar o processo de negociação de dívida com investidores que aceitavam o risco dos direitos creditórios envolvidos como lastro em troca de rendimentos dos títulos negociáveis.

O setor de securitização foi alvo de legislações e regulamentações segmentadas e não havia uma definição legal ampla no Brasil sobre o tema, apenas amparo na doutrina, além de leis esparsas envolvendo títulos específicos, como certificados imobiliários e agronegócio, abrangidos pela Lei nº 9.514/1997 e Lei nº 11.076/2004, respectivamente.

Em 2021, a CVM editou a Resolução nº 60/2021 que reconheceu o caráter sui generis e regulamentou sobre as companhias securitizadoras registradas na CVM, isto é, com emissão pública de títulos de securitização. Ainda que de forma restrita, tal medida representou um avanço e contribuiu para o mercado financeiro.

Nessa toada, a recente MP consolidou o conceito de securitização ao tratar das regras gerais e concentrou em uma única norma os dispositivos esparsos da securitização imobiliária e do agronegócio. Num entendimento uníssono, as companhias securitizadoras foram previstas como instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações[1], que tem por finalidade a aquisição de direitos creditórios e a emissão de certificados de recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização.

Tal conceito proporcionará segurança jurídica e estabilidade, uma vez que enquadrou as securitizadoras, regulamentou que os títulos emitidos podem ser certificados de recebíveis ou valores mobiliários e ampliou de forma democrática que esses mesmos títulos podem servir para qualquer tipo de lastro, seja natureza de saúde, educação, saneamento, mercantil.

De forma complementar, a operação de securitização foi definida como uma operação pela qual há emissão de valores mobiliários junto a investidores, por meio da companhia securitizadora, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios que os lastreiam[2]. Portanto, em termos simplificados, há a vinculação dos títulos emitidos circuláveis no mercado, possuindo como lastro os direitos creditórios, em suas amplas possibilidades com vistas ao resultado de fomentar o mercado.

Além de contribuir com estabilização das operações de securitização e definir sobre abrangência dos direitos creditórios, a MP impactou positivamente ao desenvolver alguns pontos que somente eram atribuídos aos certificados de recebíveis mobiliários ou do agronegócio, bem como estabeleceu nova dinâmica para o mercado. Em tópicos individualizados pode-se ressaltar:

  • Chamada de Capital[3] – art. 21 parágrafo 6º:

Aplicáveis aos certificados de recebíveis, esse dispositivo permite certa flexibilidade para a companhia securitizadora, de modo que poderá celebrar, com os investidores, promessa de subscrição e integralização para receber os recursos e, somente num momento posterior, adquirir os direitos creditórios. Para tanto, haverá um cronograma que norteará e sustentará a operação.

  • Regime fiduciário e patrimônio separado[4] – art. 24, 26 parágrafo 4º, 30 parágrafo 3º:

Até então restritas aos Certificado de Recebíveis Imobiliários (doravante “CRI”) e Certificado de Recebíveis do Agronegócio (doravante “CRA”), a companhia poderá instituir regime fiduciário, mediante declaração unilateral, em favor dos títulos emitidos, aplicável tanto aos certificados de recebíveis, como valores mobiliários, estendendo aos direitos e garantias advindos destes. A instituição se traduz em obrigação da companhia em gerir o patrimônio separado, bem como resguarda e blinda a operação perante eventuais débitos da companhia, inclusive fiscais, trabalhistas ou previdenciárias que somente serão acessados pelo patrimônio comum. Corroborando com este princípio de proteção, a MP dispõe que no caso de insolvência da companhia o patrimônio separado não será afetado.

  • Dação em pagamento[5] – art. 19 e 25 IV:

Expressamente aplicáveis aos certificados de recebíveis e aos valores mobiliários quando instituído o regime fiduciário, poderá haver dação em pagamento dos direitos creditórios vinculados à operação de securitização.

  • Revolvência[6] – art. 21 XIII:

A MP ampliou e flexibilizou a revolvência para certificados de recebíveis, no sentido de autorizar a substituição ou aquisição futura dos direitos creditórios vinculados aos títulos emitidos com a utilização dos recursos provenientes do pagamento dos direitos creditórios originais vinculados à emissão.

Variação cambial e distribuição dos certificados de recebíveis no exterior[7] – art. 21 incisos VI e VIII, parágrafos 8º e 9º e art. 23:

Já autorizado para o CRA, a MP expressamente previu a permissão para emissão de certificado de recebíveis com cláusula de variação cambial, desde que seja integralmente vinculado a direitos creditórios com cláusula de correção na mesma moeda e emitida em favor de investidor residente ou domiciliado no exterior. Nesse sentido, há também possibilidades diversas de remuneração, como taxa de juros fixa, flutuante ou variável, sendo que o Conselho Monetário Nacional poderá estabelecer outras condições para a emissão. No que tange à distribuição de certificados no exterior, é possível através do registro em entidade de registro e de liquidação financeira situada no país de distribuição, observados os requisitos para a instituição.

  • Recomposição de lastro[8] – art. 21 X, 26 parágrafo 2º:

Tal previsão favorece a conservação da operação ao permitir a complementação do lastro, nas hipóteses de certificados de recebíveis, com a devida realização de aditamento e em âmbito de regime fiduciário, diante de eventual insuficiência do patrimônio separado e mediante aditamento.

  • Tributação[9]:

Ao certificado de recebível, diferente do tratamento fiscal conferido ao CRI e CRA, não foi atribuído o benefício de isenção de imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos a pessoa física, observado a Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004.

Evidencia-se que a disciplina jurídica da MP possui contornos incipientes e poderá sofrer alterações devido à natureza de medida provisória, que seguirá seus trâmites para eventual conversão em lei. Não obstante, o texto está em vigor para todos os efeitos legais e todos os atos praticados durante sua vigência serão considerados atos jurídicos perfeitos.

Em que pese a precariedade da MP – dada a sua natureza transitória –a nova regulamentação é vista com bons olhos pelo mercado, que aguarda, nesse momento, o desenrolar dos trâmites legais para conversão da MP, que ainda poderá sofrer adequações, consoante emendas já propostas, em lei, a fim de que a padronização nas estruturas de securitização no Brasil seja alcançada.


[1] Art. 17. As companhias securitizadoras são instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações, que têm por finalidade a aquisição de direitos creditórios e a emissão de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização.

[2] Art. 17. […] Parágrafo único. Para fins do disposto nesta Medida Provisória, são consideradas operações de securitização a emissão e a colocação de valores mobiliários junto a investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios que o lastreiam.

[3] Art. 21.  Os Certificados de Recebíveis integrantes de cada emissão da companhia securitizadora serão formalizados por meio de termo de securitização, do qual constarão as seguintes informações:[…] § 6º  A companhia securitizadora poderá celebrar com investidores promessa de subscrição e integralização de Certificados de Recebíveis, de forma a receber recursos para a aquisição de direitos creditórios que servirão de lastro para a sua emissão, conforme chamadas de capital feitas de acordo com o cronograma esperado para a aquisição dos direitos creditórios.

[4] Art. 24.  A companhia securitizadora poderá instituir regime fiduciário sobre os direitos creditórios e sobre os bens e direitos que sejam objeto de garantia pactuada em favor do pagamento dos Certificados de Recebíveis ou de outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização e, se houver, do cumprimento de obrigações assumidas pelo cedente dos direitos creditórios.

Art. 26.  Os direitos creditórios, os bens e os direitos objeto do regime fiduciário: […]

§ 4º Os dispositivos desta Medida Provisória que estabelecem a afetação ou a separação, a qualquer título, de patrimônio da companhia securitizadora a emissão específica de Certificados de Recebíveis produzem efeitos em relação a quaisquer outros débitos da companhia securitizadora, inclusive de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista, em especial quanto às garantias e aos privilégios que lhes são atribuídos.

Art. 30.  Na hipótese de insolvência da companhia securitizadora, o agente fiduciário assumirá imediatamente a administração do patrimônio separado, em nome e por conta dos titulares dos Certificados de Recebíveis, e convocará assembleia geral para deliberar sobre a forma de administração, observado o disposto no § 3º do art. 21. […]

§ 3º A insolvência da companhia securitizadora ou de seu grupo econômico não afetará os patrimônios separados que tiver constituído.

[5] Art. 19.  Os Certificados de Recebíveis são títulos de crédito nominativos, emitidos de forma escritural, de emissão exclusiva de companhia securitizadora, de livre negociação, e constituem promessa de pagamento em dinheiro, preservada a possibilidade de dação em pagamento, e título executivo extrajudicial.

Art. 25.  O regime fiduciário será instituído mediante declaração unilateral da companhia securitizadora ao firmar termo de securitização, que, além de observar o disposto no art. 21, deverá submeter-se às seguintes condições:

[…] IV – a forma de liquidação do patrimônio separado, inclusive mediante dação em pagamento dos direitos creditórios, bens e direitos referidos no inciso I.

[6] Art. 21.  Os Certificados de Recebíveis integrantes de cada emissão da companhia securitizadora serão formalizados por meio de termo de securitização, do qual constarão as seguintes informações:

[…] XIII – se for o caso, indicação da possibilidade de substituição ou aquisição futura dos direitos creditórios vinculados aos Certificados de Recebíveis com a utilização dos recursos provenientes do pagamento dos direitos creditórios originais vinculados à emissão, com detalhamento do procedimento para a sua formalização, dos critérios de elegibilidade e do prazo para a aquisição dos novos direitos creditórios, sob pena de amortização antecipada obrigatória dos Certificados de Recebíveis, observado o disposto no inciso II do § 2º;

[7] Art. 21.  Os Certificados de Recebíveis integrantes de cada emissão da companhia securitizadora serão formalizados por meio de termo de securitização, do qual constarão as seguintes informações: […] VI – remuneração por taxa de juros fixa, flutuante ou variável, que poderá contar com prêmio, fixo ou variável, e admitir a capitalização no período estabelecido no termo de securitização;

VIII – cláusula de correção por variação cambial, se houver, desde que estabelecida em conformidade com o disposto nos § 8º e § 9º;

§ 8º O Certificado de Recebíveis poderá ser emitido com cláusula de correção pela variação cambial, desde que seja:

§ 9º O CMN poderá estabelecer outras condições para a emissão de Certificado de Recebíveis com cláusula de correção pela variação cambial, inclusive sobre a emissão em favor de investidor residente na República Federativa do Brasil.

Art. 23.  Os Certificados de Recebíveis, nas distribuições realizadas no exterior, poderão ser registrados em entidade de registro e de liquidação financeira situada no país de distribuição, desde que a entidade seja:[…]

[8] Art. 21.  Os Certificados de Recebíveis integrantes de cada emissão da companhia securitizadora serão formalizados por meio de termo de securitização, do qual constarão as seguintes informações: […] X – indicação do número de emissão e da eventual divisão dos Certificados de Recebíveis integrantes da mesma emissão em diferentes classes ou séries, inclusive a possibilidade de aditamentos posteriores para inclusão de novas classes e séries e requisitos de complementação de lastro, quando for o caso;

Art. 26.  Os direitos creditórios, os bens e os direitos objeto do regime fiduciário: […]

§ 2º A companhia securitizadora, sempre que se verificar insuficiência do patrimônio separado, poderá, após restar assegurado o disposto no § 1º, promover a sua recomposição, mediante aditivo ao termo de securitização ou instrumento equivalente, no qual serão incluídos outros direitos creditórios, com observância aos requisitos previstos nesta Seção e, quando ofertada publicamente, na forma estabelecida em regulamentação editada pela CVM.

[9] Art. 3º Ficam isentos do imposto de renda:

IV – na fonte e na declaração de ajuste anual das pessoas físicas, a remuneração produzida por Certificado de Depósito Agropecuário – CDA, Warrant Agropecuário – WA, Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA, Letra de Crédito do Agronegócio – LCA e Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA, instituídos pelos arts. 1º e 23 da Lei nº 11.076, de 30 de dezembro de 2004.