Veja os recentes impasses entre os Estados e a União  

24 de novembro de 2022

A Lei Complementar nº 194/2022, sancionada em junho deste ano, alterou o Código Tributário Nacional (CTN) e a Lei Kandir (LC nº 87/96) para dispor sobre a essencialidade de bens e serviços, visando conter o aumento dos preços dos combustíveis, do gás natural, da energia elétrica, das comunicações e do transporte coletivo.

A alteração observou o art. 155, §2º, inciso III, da Constituição Federal, em que o ICMS pode ser seletivo em função da essencialidade da mercadoria e do serviço, no intuito de onerar menos o consumidor, e, segundo o governo, conter a inflação para manter o ritmo da retomada do crescimento econômico no País.

Com base na seletividade atribuída ao ICMS com relação aos bens e serviços essenciais, a LC nº 194/2022 estabeleceu que o teto máximo de alíquota para o imposto não poderá ser superior ao das operações em geral – entre 17% e 18%. No setor de energia, a maior parte dos Estados brasileiros fixava alíquotas efetivas de ICMS entre 25% e 30%.

Além disso, a Lei Kandir foi alterada para estabelecer que a base de cálculo do ICMS não será composta pelas tarifas denominadas Tust (Tarifa de Utilização de Serviços de Transmissão) e Tusd (Tarifa de Utilização de Serviços de Distribuição) – cobradas sobre os serviços de transmissão e distribuição, e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica.

A LC nº 194/2022 não foi bem recepcionada pelos Estados. Primeiramente, por entenderem que as alterações violariam o Princípio do Pacto Federativo, pois haveria intervenção indevida da União, por meio de lei federal, na competência estadual e distrital para regular o ICMS. Ademais, pela queda de arrecadação que as alterações poderão ensejar. Em matéria publicada pelo jornal “O Globo”, os secretários de Fazenda estimaram perdas de R$ 48 bilhões com a limitação do ICMS até o final do ano de 2022, já em novembro, os Estados apresentaram ao STF uma estimativa de perda de R$ 25,1 bilhões.

Para mitigar os efeitos ocasionados nos cofres estaduais, a LC nº 194/2022 estabeleceu, em seu artigo 3º, que a União deverá compensar os Estados e o Distrito Federal no próximo ano se houver perda de arrecadação acima de 5%.

Embora a LC nº 194/2022 tenha se limitado aos setores de energia, telefonia, transporte e combustível, a Portaria nº 7.889/2022, que regulamenta a dedução tratada no referido art. 3º, foi editada no sentido de que a apuração da perda de receita dos Estados e do DF com relação ao ICMS em 2022 irá considerar a arrecadação total, e não os setores abrangidos pela LC. Ainda que a apuração da receita seja mensal, a Portaria prevê que a compensação será anual, após o fechamento do exercício, e levará em consideração valores nominais, sem previsão de que será observada a variação monetária do período.

Contrariamente à Portaria, os Estados defendem que a compensação seja mensal, tal como a apuração, e que sejam compensados de forma integral, ainda que a queda da arrecadação seja inferior aos 5% previstos.

Devido à discordância entre a União e os Estados, ambos tentam conciliação perante o STF, por meio da ADPF[1] nº 984 e da ADI[2] nº 7191.

Enquanto os debates estão em curso, muitos Estados ainda não se adequaram completamente à LC nº 194/2022, mantendo as cobranças das taxas Tust e Tusd, o que viabiliza a propositura de ação judicial a fim de que as referidas taxas sejam afastadas e, com isso, haja a redução do preço final dos serviços considerados essenciais.

Diante disso, empresas que possuem contrato de demanda contratada de energia e que ingressaram com medida judicial para que o ICMS seja recolhido somente com relação à demanda utilizada também terão que pleitear o reconhecimento do direito à exclusão da Tusd e Tust da base de cálculo do ICMS.

A exclusão das mencionadas taxas da base de cálculo do ICMS é alvo de discussão antes mesmo da sanção da LC nº 194/2022. O STJ, por meio do Tema nº 986, analisava se o fato gerador de ICMS seria apenas a circulação de mercadoria, de modo que os serviços de transmissão e encargos não se enquadrariam nas hipóteses de incidência do ICMS. Com a alteração da LC nº 194/2022 dispondo que as tarifas Tust e Tusd não integram a base de cálculo do ICMS, o objeto do julgamento pode ser alterado para definir se a tributação era ilegal antes da edição da lei complementar.


[1] Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é a ação proposta ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do poder público. Fonte: Agência Senado.

[2] Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) é a ação proposta ao Supremo Tribunal Federal (STF) para arguir a inconstitucionalidade de lei, ato normativo federal ou estadual. Fonte: Agência Senado.